sexta-feira, 29 de abril de 2016

Era quinta-feira

         Tenho ideia que era quinta-feira. Sim, pois era porque foi quando o Sr. João - lembraste daquele miúdo que tinha uma mota azul da tua turma do oitavo ano? Sim esse! - me levou a Joana, a mulher dele, para começar a fazer limpezas na minha casa perto do Estoril - lembraste de eu te dizer que queria dar lá um passeio contigo mas nunca demos? Pois, agora moro aí! Não me alargo mais, desculpa mas é que os anos ainda me deram mais lábia do que o esperado.
          Bem, era quinta-feira. Estavas num restaurante perto da casa da Rita dos cabelos loiros - lembraste daquela que o teu melhor amigo deixou pela Joana que andava com o Tiago do futebol? Bem, sim, essa. - lá estavas tu, de fato e gravata, com um relógio de pulso chamativo e com uma mulher de vestido encarnado sentada a teu lado agarrada a um martini - lembraste quando me dizias que querias casar, ter filhos e tudo isso? Olha bem para ti, pareces um homem vazio por dentro onde tudo o que tens de oferecer é uma bebida à escolha num bar a uns minutos do café onde passavas o tempo quando eras jovem. E olha para mim, eu que sempre que disse que não queria nada de anéis e casamentos já ando aqui, braço a braço com o meu marido. - ainda estive para parar, dizer-te um olá ou qualquer simulação rápida de interesse mas não simulei algo que não tenho.
           Estava na mesa lá do fundo, com a pessoa que é pai dos meus filhos - três vê lá tu bem... eu que tinha medo de engravidar já estive três vezes com um barriga gigante - estávamos a comentar as flores novas do jardim e a planear por alto a próxima viagem que devia ser feita sem os miúdos - de relance lembrei-me que nunca tínhamos viajado juntos e que tristeza a minha foi ter estado com alguém que nunca me deu o mundo - enfim, no meio de conversas soltas e de copos de vinho do preço de um ordenado mínimo, eu observava-te, com as tuas mãos grandes mas tremidas - lembraste quando conheceste o meu pai pela primeira vez e também estava assim, com esse teu tique de nervosismo? Eu lembro - acredito que estejas nervoso, talvez por ser um encontro ou uma ex namorada que sonhas ter de volta - a ideia não me arrepia, não me dá qualquer tipo de sentimento ou repulsa, já ultrapassei tudo aquilo que tivemos em miúdos - passei o jantar a imaginar que tipo de mulher seria aquela de olhos pintado e perna cruzada a teu lado.
            A minha sobremesa acabou, e a tua mesa estava cheia de copos altos de Martini, - lembraste de quando bebíamos minis de pijama em minha casa? Sei que te lembraste disso naquele momento, não mintas. - a tua cara demostrava o pouco interesse por tudo aquilo, demostrava os nervos porque o teu dinheiro estava a ser gasto numa mulher para uma noite e demostrava vergonha por me teres visto passar, de mão dada, amada e segura de mim - lembraste do dia que me deixaste e saíste porta fora dizendo que nunca te ias arrepender? Na quinta o destino mostrou-te que nunca devias ter saído nem ter dito tal coisa - não te encarei, não por medo mas sim por te teres tornado um homem patético, que investe em mulher em formas de pagamento como bebidas, maços de cigarros ou quartos de hotéis em Troia.
           "Era a conta, por favor.", pediu o meu marido calmamente. Estava na hora de eu sair e passar perto de ti, estava segura de mim mas não por ti já que o arrependimento quase que mata. Levantaste-te, tocaste-me no ombro e disseste "lembraste de mim?" - ai se não me lembro - "perfeitamente", comentei, os teus olhos ganharam brilho, o teu peito encheu-se de ar até que o meu marido se aproximou "então, não me apresentas quem é, querida?" e com a minha voz de miúda respondi-lhe "um namorico da minha adolescência", a tua cara ficou pálida, e em soluços disseste "bem... tenho de ir, prazer em ver-te", bastou um sorriso meu como resposta - lembraste quando me disseste que nunca encontraria ninguém melhor que tu? Eu sei que te lembras - vesti o casaco, acenei-te como despedida e os teus olhos ficaram para sempre arrependidos, a serem observados por uma mulher qualquer, bêbeda e sem alma.

-mm