sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Ele vai voltar


Ele vai voltar.
Talvez não será tão emotivo como esperas.
Talvez não será tão romântico como queres.
Talvez não será de todo.
Imagino-o a regressar mais lento,
com discursos eloquentes,
com o corpo gasto e frio.
Talvez pensarás que há regressos que não valem a pena,
ou talvez, sei lá,
pensarás que valerá a pena agrupar os pedaços sangrentos de alguém que te alvejou.
Ele vai voltar.
Talvez não será tão rapidamente como imaginas,
tão intenso como desejas.
Talvez não será,
ou mesmo que seja,
talvez não quererás.
Há amores que não podem renascer nas cinzas,
nas flores,
nos livros,
há amores que se cortam quando se tornam em fantasmas.
Ele vai voltar.
Talvez pelos motivos errados,
talvez porque o futuro não lhe trouxe aquilo que ele queria.
Imagino-o a regressar mais cinzento,
como um dia de inverno,
frio e gélido,
sem interesse
mas tu sairás de casa,
irás dar-lhe uma oportunidade
e talvez, quem sabe, abrirás os olhos e entenderás que o teu melhor lugar não é o passado.
Há lugares que continuam iguais
e que ao voltarmos lá só nos irão dar um sentimento,
o de angustia,
o de solidão
porque tudo muda,
porque nada se repete
e talvez tu entenderás isso,
talvez terás a decência de não repetires,
de não tentares de novo
porque o "novo" nem sempre será bom,
nunca terá o mesmo sabor.
Ele vai voltar.
Tu, de certo modo, tens essa certeza e é essa que te mantem nos mesmos recantos,
com os mesmos objetivos,
com a esperança que talvez ele se vá lembrar daquilo que desejavas
e que, talvez, quem sabe, ele tente encontrar-te nesses lugares.
Talvez ele fingirá que que te encontrou no regresso por acaso,
que todos os mapas que ele tinha sempre lhe apontaram como destino a pessoa,
talvez ele mentirá,
talvez não passará numa mentira que tu vais acreditar.
Ele vai voltar.
Imagino-o com segredos,
com sussurros,
com medos,
com respostas a perguntas que deixaste no passado mesmo que já nem te lembres delas.
Talvez vás querer as tuas questões resolvidas,
talvez vás bater a porta e ir para longe de tudo aquilo que um dia te matou.
Há mortes boas mas a única consequência positiva desta foram os lugares que depois te acolheram.
Talvez entenderás que quem te matou uma vez, matar-te-á até não conseguires ressuscitar,
talvez terás amor à vida,
talvez terás amor à morte
e cairás simultaneamente nos braços de alguém e no chão gélido de uma casa de banho qualquer.
Imagino-o raivoso com o teu "não", se alguma vez o deres.
Imagino-o com a certeza de que tu estarás lá apesar do tempo que passe,
do longe que a tua vida já chegou
e da diferença que aconteceu em ti.
Nós mudamos,
crescemos
e vocês irão mentir,
ele irá dizer-te que te ama da mesma maneira quando nem és a mesma pessoa
e tu, dentro de ti, acharás que o sentimento é o mesmo quando nem o conhecerás.
Vais começar um amor de novo,
com alguém que te obrigou a recomeçar
e que sei que vai te obrigar de novo.
Ele irá voltar.
Agora a questão é: e tu? Voltarás?

-MariaCunhaESilva






quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Mania Masoquista


Eu tenho a mania masoquista de acreditar que quem eu realmente amo tem de me partir o coração
e todos aqueles que são simpáticos,
que guardam e agarram não podem passar disso,
de um quase,
quase-amor,
quase-foi,
quase-aconteceu,
quase-quis.
Eu não quero que se magoem,
mal de mim chegar a extremos,
quero apenas que se deixem ir por um melhor caminho que não sou eu,
enquanto eu esperarei a minha vida inteira por alguém que não virá
e reparem que eu sei que estou numa espera eterna mas mais vale isso do que a inquietação de não amar como devia,
odeio não sentir o mesmo,
prefiro a dor de não sentirem por mim do que não sentir por alguém.
Há quem me pergunte se tenho a certeza do que faco, do que sinto -
como poderei amar tanto alguém que me quebra,
alguém que desgasta.
Eu perco o sorriso,
os olhos brilhantes mas não perco a resposta:
se não amasse tanto essa pessoa seria possível eu quebrar,
eu desgastar-me,
eu perder-me.
Não é a dor que me faz amar mas é a mesma que me dá certezas que eu sinto.
Se não sangrasse,
se não acumulasse cicatrizes,
se tudo fosse indiferença então não seria amor.
Sempre fiquei e ficarei com aquele que me salva num dia e me mata no outro,
com aquele que me beija suave ontem e me grita asperamente amanhã.
Dizem-me que estou louca,
que nasci louca,
que não passa de algo infantil
e inconsistente
e eu adoro esses elogios,
é essa loucura,
essa infantilidade,
essa inconsciência que me faz amar tanto assim,
como uma adolescente que não entende que ele não a ama,
eu até posso saber que ele nunca voltará a amar
mas eu amarei a vida toda
porque ele fez-me ficar deitada no chão frio quando foi
e os outros apenas foram...

-MariaCunhaESilva


Não me sigam!


Não me sigam que eu sigo o coração,
entro nas ruas negras e molhadas,
passo nos bairros com ruas sem nome,
passo o rio a nado.
Não me sigam!
Sou mulher de olhos fechados e coração aberto,
sou menina de mão dada sem perguntar o caminho,
sou puta de pernas abertas sem receber nada em troca.
Sou tão errada mas estou tão certa,
não travem os meus passos,
não me enganem nas minhas estradas,
não me mintam
que eu sou louca,
que eu deixo tudo e vou, não sei para onde mas vou.
Não me sigam!
Não aguentarão as minhas crises existenciais diárias,
os meus choros noturnos
e as teclas barulhentas que mostram a vontade de meter no papel aquilo que não se aguenta dentro de mim.
Não aguentarão as minhas loucuras sem livros de instruções ou explicações -
não me perguntem o que iremos fazer porque nunca saberei.
Não me sigam!
Que vão estar perdidos por se aperceberem que afinal nunca se encontraram,
porque acabarão por questionar o universo mesmo que seja infinito,
porque não vão querer o que todos querem e isso até pode ser bonito mas é doloroso.
Não me sigam!
Que eu não saberei responder à minha filha que tipo de mulher sou,
nem sei se quero que ela seja assim,
não sei se prefiro que ela se torne igual a tantas outras ou que viva com uma melancolia que existe desde o parto.
A minha mãe nunca soube o que faltava,
eu ainda hoje não sei e é por isso que ando e caminho em direção a algo sem nome.
Não me sigam!
Que as palavras esgotam-se quando eu me esgoto,
que os meus joelhos estão em ferida
e a minha alma em sangue
porque eu vou sem mapa,
sem dinheiro,
sem energia,
sem força
mas com amor.
Não me sigam!
Eu não sigo as regras por rebeldia mas por necessidade,
porque tudo aquilo que é suposto eu fazer não me alimenta
e eu tenho uma fome que não acaba por não saber do que me alimento.
Não me sigam!
Que eu leio um poema e viro à esquerda e não à direita,
porque eu escreverei páginas e páginas que acabarei por queimar,
comprarei canetas que gastarei em três dias
e cadernos que não preencherei por odiar finais.
Não me sigam!
Porque eu sou aquela que um dia chora e que no dia seguinte comete o mesmo erro,
porque choro sem parar por algo que ninguém entendo o significado
mas é que a dor para mim é algo relativo,
doí-me o fácil e não aguento o difícil.
Às vezes odeio a pessoa que sou mas não quero ser outro alguém.
Não me sigam!
Porque eu odeio manhãs mas adoro acordar cedo,
porque adoro o verão mas prefiro roupas de inverno,
porque irrita-me a areia mas escolho sempre praia,
porque amo quem me odeia.
Não me sigam!
Que eu tropeço sempre nos mesmos degraus,
porque aceito as desculpas à primeira,
porque engulo sapos que me magoam,
porque amo uma vida inteira.
Não me sigam!
Porque envelhecerão rápido,
porque verão nas velas uma idade que não carregam,
porque ouvirão conselhos sobre algo que já viveram à anos.
Não me sigam!
Que os meus caminhos nunca serão os mais fáceis,
porque eu não tenho medo dos meus medos,
porque eu nem sei bem quem eu sou.
Não me sigam!
Porque não sei onde irei chegar
ou se algum dia irei realmente chegar.

-MariaCunhaESilva



Nós em Tercetos



Às vezes pergunto-me se poderia ter vivido sem ti,
se a vida teria sido vida sem ti,
se haveria possibilidade de ter memórias sem ti.

Às vezes pergunto-me quando estou sozinha do que seria eu sem ti,
sem nunca te ter conhecido,
sem nunca me teres conhecido.

Mudaste-me desde o dia que soube da tua existência,
nesse dia aprendi o que era vida,
aquelas dos poemas e dos ditados da primária.

Sei lá eu quem sou,
mais do que um aglomerado de pedaços teus,
de pedaços nossos que se arrastam com o tempo.

Ai o tempo,
como o odeio e como o amo,
ele próprio te trouxe mas também te levou.

Não acredito que alguém saiba o que é a vida sem o tempo e sem amor,
sem a dor de não haver mais amor
por não haver mais tempo.

Gostava de voltar atrás no tempo,
ver-nos ao longe aos beijos
pois parece-me que nunca realmente te toquei.

Sabes quando algo é tão bom que parece um sonho?
Éramos nós, juntos, abraçados, aos beijos,
não era as ações em si mas por sermos nós a praticá-las.

Eu juro que não entendo quem diz que uma relação tira vida,
uma relação é a vida em si, tão simples, tão pura -
tudo em ti, tudo em mim, tudo em nós.

Só perdi a vida no dia que te perdi,
até lá nunca tinha tido o sangue mais quentes,
a cara mais rosada e o sorriso mais feliz.

Odeio tristezas e vitimizações,
odeio despedidas e o passado
e por isso tenho pena que tanta parte nossa tenha se juntado a tudo isso.

O amor também cai, também magoa
mas não é por isso que não possa ser amor,
é apenas o sentimento em dois palermas que não sabem a dor da vida.

Palermas, nós.
Mal sabíamos que tínhamos em mão algo tão valioso,
mal sabíamos que tínhamos o milagre de termos acertado à primeira.

O primeiro amor parece um passo perfeito,
um paraíso de rosas e mar azul
mas nós éramos mais que isso.

Éramos mar azul em dias de chuva,
rosas em pleno deserto,
éramos demasiado amor, demasiado cedo.

Nunca acreditei que algo poderia realmente chegar na altura errada
porém agora acredito,
não faria sentido o destino nos separar se não fosse pela hora não ser a certa.

A vida seria mais fácil sem relógios
mas não seria tão forte, tão sentida.
É a tal relação de amor-odio.

Amei-te tanto que pareceu-me que o peito iria saltar,
odiei-te tanto que o meu corpo quis explodir.
Nunca consegui um intermédio e isso é grave.

Todos são mais-ou-menos, assim-assim,
de pouco interessa aqueles que não nos enchem de raiva ou de amor,
e por isso é que te amo e quando não o faço, te odeio.

Sei que sentes um odio que me entristece e que deixa feliz
pois mais vale não me quereres ver mais
do que ser-te algo indiferente.

A indiferença assusta-me,
pois se for indiferente é porque as memorias não são fortes
e as nossas são tantas, que porra, ai de ti que não me odeies.

Às vezes pergunto-me se poderíamos ter dado certo,
se agora voltássemos a conhecermo-nos seria tudo igual.
Imagino que seria melhor ou que não chegaria a nada.

Por um lado quero acreditar que tudo o que tivemos foi algo irrepetível noutros tempos,
por outro lado desejo que não o seja e que possa ter-te a meu lado,
de novo e para sempre.

-MariaCunhaESilva








terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O Resumo


Tento sempre encontrar desculpas para aquilo que fizeste.
Continuo a achar que não eras capaz de fazer o que me fizeste.
Mas fizeste, o presente afirma que o fizeste.

Passam-me ao lado pessoas que parecem que me dizem o quanto mudaste mas eu não quero nem posso acreditar que tudo isto realmente aconteceu,
que eu estou tão afastada de ti ao ponto de não saber se as tuas coleções aumentaram,
qual o perfume que usas,
quais são as tuas séries que te acompanham durante a noite
e se por acaso, espero eu que não, se estás, de novo, apaixonado.
Nem tal eu tenho a possibilidade de saber a verdade,
se amas ou finges que amas,
se amas ou queres amar,
se me amas, se a amas ou não amas ninguém.

Arranjo sempre maneiras de ver-te perfeito mesmo que o mundo tente afetar a minha/nossa paz. Tento encontrar justificações que nem eu acredito que sejam plausíveis para situações onde me fizeste querer arrancar a minha própria pele só para sentir menos a dor de te ver partir.

Não acredito que realmente partiste, que essa tua decisão foi definitiva e que a última vez que te beijei será mesmo a última.
Não é justo nem saudável pensar em ti como numa despedida que não será eterna
mas sempre que te imagino,
imagino-te a voltar com um sorriso simples de quem já foi e voltou porque entendeu que nada tem o que eu tenho.

Pergunto a quem te conhece como estás, dizem-me que estás bem e vivo.
Ainda bem.
Mas porra, dói.
Dói inventar incontáveis soluções para o nosso final e ver-te a fugir cada vez mais.

Tapo os ouvidos àqueles que me dizem que tu gritas o ódio que tens por mim e
sorrio, como tivesse apenas oito anos, àqueles que me contam que tu acreditas que fui a pessoa que já te fez mais feliz.
E sabes?
Eu tenho a certeza que sou, que fui e que só não serei se não me deixares.
Para ti, procurarei sempre felicidade mesmo quando as minhas mãos falharem e tremerem,
os meus olhos se molharem e se fecharem
e os pensamentos caírem para baixo do colchão da cama.

Há infinitas maneiras onde procuro respostas,
onde tento ouvir a tua voz calada a dizer-me "amo-te".
Também te amo, infelizmente demasiado
e ainda me lembro de me dizeres que era impossível amar demais.
Acredita que é,
lê-me.
Oiço os sentimentos poéticos
nas bocas das outras pessoas,
daquelas que me fazem acreditar que tudo muda e que um dia voltarás,
nas que me oferecem isqueiro quando eu tenho cara de menina de doze anos,
que não acreditam que os vícios têm idade.
Tudo o que me poderia fazer desistir acaba por ser sempre o que me faz permanecer.

Quem me dera que pudesses ouvir de novo a minha voz,
as minhas justificações para a loucura em que vivia.
Desculpa-me mas eu não acreditava que eu conseguiria sobreviver.
Perdoa-me os ataques de pânico e as mensagens a que, com paciência, davas sempre respostas.

Fomos muito para além daquilo que nos era pedido.
Precisava de ti.
E tu lá estava.
Tu precisavas de mim.
E eu lá estava.
Vivíamos um para o outro mesmo quando tínhamos colocado um ponto final.
Não acredito que tivesses a certeza que o teu mundo era melhor sem mim,
eu tinha a certeza que o meu não o era sem ti.

Sempre odiei os nossos encontros casuais,
aumentavam-me o ego quando não deviam,
faziam-me não desistir quando era tudo o que eu devia fazer.
Tinhas sempre a mania de pagar tudo e eu aceitava com um sorriso.
Quem nos visse não acreditaria que me tinhas quebrado da cabeça aos pés.
Não me lembro do que falávamos mas lembro do que não falávamos,
não te ouvia contar o que te tinha levado a beber café comigo quando nem bebo café,
o que te tinha feito deixar o orgulho de lado e
o que te tinha levado a perder tempo comigo.
Pensava sempre que todas as respostas eram,
porque me amavas ou porque tinhas saudades minhas,
nunca obtive a minha resposta nem nunca perguntei,
acho que "amo-te" e "tenho saudades tuas" não devem vir de um pedido mas sim de um ato involuntário ou involuntário de dizer a verdade.
Não sei se nunca afirmaste os teus sentimentos por vergonha,
por egoísmo,
por teimosia
ou porque simplesmente não havia sentimentos.

Aos poucos mas mesmo assim a uma velocidade supersónica,
separámo-nos,
cada um escolheu o seu lado
e de lágrimas no rosto, despedimo-nos.
Se não tivesses chorado quando me pediste para ir,
eu hoje já não teria esperanças,
já não acreditaria em regressos
mas tu choraste,
a alma saiu-te aos soluços pelo peito.
Isso é amor a mais.
Porque foste?
Quem ama não vai
e porra eu sei que tu amaste.
Quem não ama não soluça e não chora como um recém nascido.

Haverá sempre uma parte do que fomos que não entenderei,
não encontro o lugar onde escondeste as nossas falhas,
não sei onde são os lugares onde me omitias que estava tudo mal dentro de ti.
Porque não me disseste?
Sabias que eu subiria o mundo com um escadote de madeira só para te ver sorrir.
Bastava uma palavras mas isso não era o suficiente.
Nenhuma mudança era para ti o suficiente,
eu sentia-me uma obra inacabada que mantinhas por saberes que poderia chegar um surto de inspiração
e que me preencherias,
eu esperava,
esperei
para concretizar o sonho de ser mais do que suposto,
de ser mais do que o desejado.

Nunca chegámos a um lado concreto,
mantemo-nos por lá, num lugar qualquer onde não achávamos solução para nós.
Sentavamo-nos frente a frente,
contavas-me as pessoas que tinha conhecido e os lábios que querias tocar.
Houve quem me perguntou se tal não me doía. Dói mais não saber a verdade da vida do amor da nossa vida, eu acho e por isso agradeço-te pela sinceridade bruta e crua.
Perguntavas quem eu já tinha conhecido,
se já te tinha esquecido
e eu sorria calada,
contava-te que quem ama espera
e eu esperava.

Não me lembro de ser uma criança insistente.
A minha mãe até me diz que desisto de tudo muito facilmente.
Já andei no ballet, nos trampolins, nas sevilhanas, na olaria e em tudo o que pudesse existir.
Ninguém poderia acreditar que haveria de chegar o dia em que eu não deixasse algo para trás.
Mas o impossível aconteceu, depois dos golos secos que arrancavam a minha garganta como laminas,
depois dos pesadelos insistentes que me faziam ficar acordada,
depois da tua verdade tão pesada e real
eu não desistia,
ninguém entendia,
nem tu
e nem eu.
Percebia que para ti era natural a minha insistência,
nunca tinhas conhecido a minha fase de desistência.
Para ti eu era apenas a pessoa que tu criaste sem saberes.
Contigo tornei-me numa pessoa com melhores qualidades,
como a persistência,
a sobrevivência
e o amor aos outros (a ti, simplesmente)
e todas essas boas facetas tornaram-se defeitos,
em carne desfeita no peito.

Há sempre aquelas alturas difíceis na vida de alguém,
eu acreditava que tudo estava de pernas para o ar,
não sabia como recomeçar uma vida se não havia ponta por onde pudesse segurar-me.
A minha vida não estava bem há uns tempos mas tu tapavas-me os olhos,
não com maldade mas com amor,
é como quando levo uma vacina e a minha mãe me diz que é mais fácil se não olhar.
Eu não observava nem sentia o que se passava diante de mim,
naquilo que me estava a tornar.
E um dia acordei,
assustada,
as tuas mãos já não me cobriam os olhos,
a minha pele já não era aquecida pela tua.
As vacinas tinham uma lei que obrigava a ver o liquido que entrava na pele.
Eu não morri mas quase,
ainda hoje não sei como sobrevivi
mas estou viva e a escrever.
Não entendo os sobreviventes que não relatam as suas conquistas.
Eu conquistei o mundo,
o meu
e podem acreditar que não há mundo pior para organizar do que o nosso.

Odeias a minha louca tentativa sem sinais de fim.
Odeias o facto de que todas desistem fácil,
que não te aceitam e que não te entendem,
que não permitem que olhes para o lado às vezes,
que não saibam que por vezes desejas outros corpos.
Ai se elas soubessem,
caíam no chão mas primeiro mandavam-te.
Sempre aceitei todos os teus defeitos
e idolatrei as tuas qualidades,
sempre fechei os olhos aos erros
e abracei as virtudes,
ambos eram muitos,
contantes e cíclicos.
Eu sabia que todos os meses acabarias por errar em algo e aceitava com normalidade.
Nunca tornei nada numa competição,
sempre fiquei calma e a acreditar que acabarias por voltar,
voltavas sempre e por vezes, maior parte delas,
quando estavas a sair da porta pensavas duas vezes e regressavas.
Eu tinha sempre os braços abertos,
vias as minhas atitudes como algo normal,
que casualmente todas as mulheres azem até de deparares com o mundo,
com a verdade dos gritos,
da não-aceitação.
Ninguém quer alguém que não seja fiel,
eu também não queria mas preferia aceitar-te assim do que não te ter.
De certo modo, tu pensavas que eu não conseguiria arranjar melhor,
conseguir eu conseguia mas eu não queria,
preferia a tua mediocridade do que o luxo,
chama-se a isso amor e estupidez.
Elas são inteligentes com as escolhas,
não são masoquistas
ou não estão verdadeiramente apaixonadas,
então deixam-te,
de mãos vazias,
nu
e sem pensamentos fixos a não ser um:
"ninguém vai ser como ela".

Vejo nos telejornais que hoje é o dia da maior lua,
fui a janela e não me parece tão grande como a daquele dia.
Odeio quando rotulam tudo,
é ridículo precisarem de dizer às pessoas que a lua está maior que nunca,
quem gosta do céu saberá sem ler,
ou sentirá apenas.
Nós fazemos a paisagem,
e os dias bonitos estão apenas na nossa imaginação.
O repórter está a relatar a notícia da lua,
mal eles sabem que nunca esteve tão grande como no dia em que me libertei,
como no dia em que tomei uma decisão,
em que rasguei os papeis repletos de lágrimas
e queimei as canetas mordidas.
Há manhãs frias que se tornam mais quentes que uma tarde de verão,
há céus estrelados que não brilham
pois não há quem não sinta que consiga ver a beleza no mundo.
E houve um dia em que simplesmente vi o que antes estava para mim escondido,
não me liguei ao passado e conseguir ver o céu mais forte e constelado do que nunca.
Entendi que se tem de desligar certas luzes para perceber qual é a que mais nos guia na escuridão.
Neste caso, eu percebi que apenas precisava de mim própria e que tudo o que precisava era de desligar-me de ti.

Poderia ter sido romântica na minha despedida
e não penses que te deixei de um dia para o outro apenas para te imitar.
Se algo que entendi com o tempo é que não quero amar como tu
e nem sei como pensei, alguma vez na vida, que tu poderias amar uma pessoa como eu no tempo que te pedia.
Queria a eternidade que sempre te pareceu impossível,
fazias-me sentir que estava a pedir demais.
No fundo, eu sabia que não estava a querer demasiado mas sim o normal,
não acredito que haja quem ama e não pense no clichê do "para sempre".
Respondias sempre o mesmo,
um silêncio que me bastava como resposta e que me calava simultaneamente
e mesmo assim acreditava que eras o amor da minha vida.
O amor da minha vida que não imaginava morrer por mim ou morrer a meu lado.
Estava cega até abrir os olhos,
até escrever-te cem cartas onde em cada uma delas me despedia de maneira diferente,
as cartas que nunca leste por escolha,
por feitio
e ainda bem que não me leste.
Se me lesses talvez voltasses ou me conhecesses da maneira que não queria que me conhecesses
e da maneira que, tristemente, nunca me conheceste.

Fui, simplesmente fui,
sem música de fundo
porque a vida não é um filme por mais que queira,
se assim fosse, no dia que voltaste pela primeira vez terias ficado comigo,
a trama acabaria aí e os telespectadores imaginar-nos-iam com filhos e a envelhecer.

Por vezes olho para o meu quarto e tento imaginar a tua reação ao veres tudo mudado.
Imagino-te a pensares que, de facto, não foste só tu que percorreste lugares,
criaste histórias
e mudaste a tua vida.
Tenho a estante cheia de livros,
tento imaginar a tua reação quando te contar que todos são sobre alguém
e que em muitos pensei em ti.

Lembro-me de ver os erros no mundo,
parecia-me que todos erravam,
que todos me magoavam e que eu,
despida e mal amada só tinha vindo ao mundo para estar arranhada.
Gritei tanto,
adormeci pelo cansaço ao colo da minha mãe.
O mundo parecia ter deixado a humanidade de lado quando decidiste ir.
Ninguém me entendia,
chamavam-me louca,
diziam que os sentimentos são temporários e eu não acreditava,
ainda hoje não acredito.
Amo e amarei os meus pais para sempre,
amo e amarei dormir até tarde mesmo que me tenha deitado cedo,
ler o mais rápido que posso nas livrarias porque não quero realmente comprar o livro,
comer bolo de anos sem haver um aniversário,
amo e amarei o meu primeiro cão,
o meu melhor amigo de infância
e a minha tia que me mostrou o que é dormir no sofá e mesmo assim ser o melhor lugar do mundo.
Discutia com o espelho por não saber se devia discutir com a sociedade,
com os padrões que todos seguiam
e todas as regras que não questionavam.
Parecia a única que queria viver com sentido,
com amor,
com dor porque ela sempre existe
porque todos preferiam o aceitável,
o mais-ou-menos,
o quem-me-dera-mas-não-posso.
Vi-os a desistirem cedo demais,
vi-te a afastares-te cedo demais por dares ouvidos àqueles que ambos criticávamos.
Eu chorava,
estavas a tornar-te em tudo aquilo que me repugnava e mesmo assim,
mesmo com esse nojo que te sentia,
com essa repulsa que me saltava do peito,
não havia ninguém que eu quisesse mais,
preferia mudar-te do que iniciar uma nova história com alguém.
Mas tu não mudaste,
a sociedade ganhou
e na altura eu senti uma perda quando quem tinha perdido tudo tinhas sido tu.

Parece que oiço os teus passos atrás do meus,
sinto-te na minha sombra e no canto dos grilos na noite,
ainda acredito que haverá uma parte que nos liga.
O amor desvanece mas não morre,
há vitimas mas não há mortos,
há hospitais mas não funerais,
há choros mas não há sangue no chão.
Tudo aquilo que nos une não nos pode juntar,
não há solução para os teus/nossos erros
mas de facto, também acho que não deve haver,
somos novos,
somos vivos
e estamos separados,
chegámos tão longe em passos largos e sozinhos,
chegámos tão longe sem a nossa autodestruição cancerígena,
chegámos tão longe sem nos amarmos que te dou razão quando me dizias
"tenho de ir porque me quero encontrar e chegar a lugares que nem sei que existem",
não sei bem onde chegaste ou se realmente chegaste a algum lado,
eu cheguei a vários, de uns fui expulsa a outros nem quis entrar e ainda houveram alguns em que fui líder,
conheci realmente um mundo novo que já existia onde eu vivia,
aprendi a ver-me ao espelho
e ouvi a minha voz a mudar como se a adolescência me atacasse.
Na verdade, atacou e em cheio na alma,
cresceram-me flores em espaços vazios,
saíram gritos do peito que mal respirava,
e foram ditos agradecimentos a quem pensava que ia odiar para sempre.

Aprendi que não há nada melhor que a paz,
que por mais que queira um amor que lute por mim todos os dias,
eu não quero um que por fazê-lo se canse e me deixe uns meses depois.
Aprendi a esperar,
a ouvir
e a perceber o outro,
consegui entender aqueles que me quebraram,
consegui perceber-te mesmo depois dos tropeços e nos buracos em que me fizeste cair.
Perdoei e ao fazê-lo, perdoei-me,
aceitei as minhas desculpas com raiva
e aceitei os perdões dos outros mesmo que nunca os tenha ouvido.
Não há nada que nos faça crescer mais do que uma quebra,
um amor acabado
e um coração partido.
E por ironia do destino, agradeço-te por todos os arranhões,
por todos os gritos,
por todos os empurrões
pois sem eles não seria a mulher que sou.
Sem eles, nem mulher conseguiria ser.

De muito que eu tenho,
que pouco é
mas tanto é por poder sê-lo.
Tenho o suficiente e o suficiente é o bastante.
Tenho tudo aquilo que pensaria não voltar a ter,
um amor,
um sorriso,
um corpo
e vontade,
de ser,
de querer
e de acordar nem que seja para adormecer de novo.
Parece-me impossível ter consigo saltar,
ter saído de um ciclo vicioso que me alimentava ao manter-me esfomeada.
A melhor parte da minha vida é feita das minha conquistas,
das minhas sobrevivências,
da quase-morte.
Gostava de poder contar à pessoa que se deitava sem forças,
que dormia sem forças,
que comia sem forças
e se vestia sem forças
que ela vai sobreviver,
que vai ver a lua maior do que alguma vez viu,
que se vai apaixonar de novo.

Nunca me preocupou a falta de toque,
a falta de conversa,
a falta de assunto.
Nunca tive medo de viver sozinha
mas de morrer sozinha.
Imaginei que nunca conseguiria beijar com sentimento,
não há pior cama do que uma que faz com que dois corpos se juntem quando não se ama.
Para mim, sempre me bastou um colchão,
uma casa pequena,
um caderno velho
mas não podia faltar amor.
Nunca me preocupou o final de algo
a não ser de amar.
Antes de desistir,
pensava que mais valia não ter de sofrer de novo,
preferia aguentar um sentimento doloroso do que começar algo que me levasse a sentir a mesma dor.
Não queria começar nem acabar,
queria arranjar um modo intermédio de viver mas é impossível.
Ou se ama ou não e ao não amar estamos expostos a voltar a amar de novo,
essa era a realidade que me doía
mas mal eu sabia que era essa mesma que me ia salvar.

Há dias que te vejo,
tento não observar-te mas é impossível,
há uma curiosidade para saber e ter a certeza em que te tornaste.
Acredito que sabes que eu te observo,
que quase sem piscar os olhos não os tiro de ti.
Acho que também fazes o mesmo,
que me observas no canto do teu olho com medo que alguém te apanhe.
Nesta terra, não se pode ver quem já amámos porque pensam logo que ainda amamos.
Eu acredito que temos ambos uma curiosidade que não morre,
dentro de mim nascem inúmeras perguntas,
"como será agora a voz dele...",
"será que ainda usa certas expressões?",
"ele estará mais feliz agora do que antes?"
e imagino que dentro de ti também nascem infinitas questões.
Nunca nos aproximamos demasiado,
se isso acontecesse eu conseguiria saber o nome do teu perfume,
conseguiria reconhecer se ainda usas o mesmo shampoo
e tu ganharias as certezas que te faltam e voltaríamos aos ciclo vicioso que nos foi tão difícil escapar.

É realmente triste não nos falarmos,
nós que vivíamos a vida a comentar o facto que nos era impossível uma total separação.
Sinceramente,
acho que foi a distância que me salvou.
Era incapaz de seguir um rumo e um caminho se vivesse constantemente com memórias do que tínhamos vivido.
Não há motivo de conversa,
por mais que seja ridículo não trocarmos quaisquer palavras,
eu acredito que seja ainda mais ridiculamente doloroso apercebermo-nos que não há qualquer tema de conversa que nos una,
é triste batermos contra a realidade que tudo aquilo que fomos não passa agora de cinzas.
Não sei do que te falar se não há veracidade num "amo-te",
num pedido simples  como "dorme comigo hoje",
não quero mentir-te nem mentir-me,
não quero jogar um jogo de palavras só para não assistir ao silêncio,
preferi escolher o final do que um recomeço de meras e simples palavras que nada nos enche.
Eu, que nunca te disse nada por dizer,
que nunca ouvi nada só por ouvir,
não podia nem devia escolher continuar a falar e ouvir apenas porque assim devemos,
porque esperam isso de nós.
Eu sei que me culpas,
que achas ser ridícula a minha separação que pensas ser efémera.
Eu também me culpo,
pelos meus ideais fixos,
pelo meu coração sensível
que não consegue fazer-te mal,
que não consegue ouvir-me numa conversa fria e distante contigo.
Gosto das últimas palavras que ouvi de ti,
guardo-as dentro de mim,
gosto de conseguir dizer que de certa maneira ouvi-te despedir de mim.
"Que a tua vida corra bem."

Li, li muito,
quase que me sufoquei com letras
e fui salva por elas.
Conheci mulheres em livros,
no cinema e nas ruas.
Houve uma pessoa em especial,
nunca a conheci realmente mas talvez a tenha conhecido melhor do que todos aqueles que a viam diariamente,
ela acompanhou a minha subida e a minha chegada à gloria.
Brindámos as duas com uns copos de plástico que pareciam de vidro.
Aprendi a vê-la e a imaginar a nossa amizade como um espelho.
As quedas que ela dava eram nos lugares em que eu já tinha estado estendida no chão.
Estendi-lhe a mão em algumas quebras mas não em todas, senti que ela tinha de sentir o que senti para poder crescer.
As dores levaram-me mais longe do que eu esperava e eu queria o mesmo para ela.
Ela foi a primeira pessoa que me ouviu falar de um novo amor,
quase que soluçou e saltou de alegria enquanto que os restantes apenas me felicitaram.
Obrigada a todos os que me disseram que me viam feliz de novo.
Estou e estava realmente num banho maria de paz e felicidade.
A verdade que já sabia que ia encontrar é que ela encontrou os mesmos trilhos,
engraçado como mapas diferentes mostram o mesmo tesouro:
o amor próprio.
Ambas aprendemos a maior lição,
a de nos amarmos primeiro
e só tomamos conhecimento de tal sentido quando estávamos gastas,
de lábios secos
e com poemas no chão do quarto.
Nela vi os meus erros,
conseguir perceber melhor os teus,
tentei entender melhor a imaturidade mas não cheguei muito longe.
Com ela,
cheguei longe,
consegui que chegássemos longe.
Estamos as duas no final de uma maratona de troféu na mão só não nos fotografam porque dispensamos tanta fama,
queremos fazer acreditar que ultrapassar um amor não é ato heroico mas sim natural,
tal consigamos
ou tal veremos grandes vitórias nos pequenos corações que caem sem força no chão frio.

Odeio a inveja e
os remorsos fora de horas
mas preciso de contar-te de onde provém a minha calma.
Não quero que reajas,
que te sintas como um louco que perdeu algo que nem sabe se alguma vez teve (tu tiveste, mantém a firmeza).
Todos os objetivos que hoje tenho de nada se parecem com aqueles que eu tinha.
A minha lista de prioridades mudou,
saíste de um dos pontos dela,
que era o primeiro como tu sabias e sabes.
Hoje, sou uma mulher pacifica,
não corro à chuva a não ser quando realmente quero,
não como fastfood porque não gosto
e amo quase como antes amava.
Quase porque é impossível amar de igual maneira a mesma pessoa quanto mais pessoas diferentes.
Desculpa-me se sempre te disse que te ia amar para sempre,
eu amo,
a miúda que ainda vive em mim e que está adormecida ainda ama e amará mas eu,
com a minha consciência mais pesada,
com mais folhas no calendário da memória
apaixonei-me.
Nem imaginas o meu pânico inicial,
vi-a as tuas iniciais cravadas nas paredes quando queria arranhar as costas de outra pessoa com prazer e paixão.
Não entendi porque simplesmente não ias embora,
porque continuavas a mandar-me sinais homicidas.
Já não queria matar nem morrer por ti,
queria poder viver de noite e de dia para amar de novo.
Tinha medo mas queria.
Cada vez que tentava dar um passo em frente o meu passado puxava-me e eu caía sem forças.
Quase acreditei que estava a viver o meu karma por ter dito que não ia amar um outro alguém mas finalmente a sorte estava a bater-me a porta e eu não conseguia abri-la,
não me faltava a coragem
mas tinha a consciência que precisava de certeza que não ia magoar alguém
e não a tinha.
Tinha receio de estar a mentir-me,
de um dia me lembrar de novo de ti e não puder correr para os teus braços por estar agarrada a alguém.
Mas um dia decidi tentar, deixei de ter medo da queda e pensei que devia voar.
Voei e cada vez que voava mais, mais queria o céu e mais longe e pequeno te via.

O melhor de nos perdermos é nos encontrarmos de novo
ou melhor,
encontrarmos o nosso lugar em locais que nunca chamaríamos de lar.
Quando me perdi,
tentei assentar em bancos de jardins com cheiro a droga barata.
Não encaixei e fugi em passos pequenos.
Tentei voltar aos lugares a que antes me faziam ser quem era mas estavam mudados ou eu estava demasiado mudada para ver tudo da mesma forma.
Tentei encaixar-me em corpos soltos e que nunca haveriam de ser meus mas repudiei o meu corpo e desapareci dessa situação.
Saltei de mesa em mesa,
de grupo em grupo,
de língua em língua.
Nunca tinha sentido tanto odio e tanto amor.
Há quem me tenha encontrado sem rumo e que hoje ainda me ama como se não me tivesse encontrado e a há quem me odeie pelos os exatos motivos.
A nómada que eu era trouxe pessoas cimentadas para a minha vida
e por isso, todos os lugares que visitei,
todas pessoas que conheci,
tosos os homens que vivi,
todo o tabaco que cheirei
são motivos de agradecimento pois sem eles eu não seria ninguém,
quer dizer, talvez seria mas não aquilo que hoje sou e não há nada melhor do que o meu presente e a minha pessoa que vive nele e dele.
Os lugares que me tocaram,
que me sentiram
fizeram-me chegar onde estou hoje
e não posso estar mais agradecida e lisonjeada por ter escolhido certos becos e valas pois sem os esgotos e ruinas não estaria inteira, iluminada e segura.

Sem ti, sem a tua desistência
eu teria desistido de procurar a vida de outra maneira,
teria desistido de querer mais que me mostram.
Sem o teu adeus ou mesmo a aglomeração deles,
eu não teria o sucesso que tenho,
eu não veria o mundo para além de ti.
É tao triste dizer que já foste o meu mundo só porque não sabia o poder que os oceanos,
os aviões, os livros e os desconhecidos têm.
Eras o meu mundo porque eu não sabia realmente o que o mundo é
mas não me arrependo dos choros incansáveis,
das lágrimas que eram quentes porque o meu corpo estava tão frio,
não me arrependo das mensagens às três da manhã,
não me arrependo dos beijos que dei com álcool na língua por estar à tua procura e não te encontrar.
Não me arrependo das músicas que ouvi repetidamente até os meus ouvidos não aguentarem,
da roupa que comprei por emagrecer no meio da loucura que era o meu mundo.
Não me arrependo de ter caído mais de mil vezes por correr atrás de ti mesmo que estivesses a fugir de mim,
porque repara, nós somos o nosso passado e eu sem ti,
sem os gritos que mandei e que não mudaram nada,
sem os amigos falsos que se aproveitavam da minha fragilidade,
sem os cigarros que fumava sem gostar,
sem as cartas que te escrevi,
eu não seria eu,
eu não estaria onde estou agora,
eu não percorreria esta estrada
e eu estou tão agradecida,
tão feliz por estar onde estou ,
por ter cruzado à esquerda e não à direita
que quando oiço alguém dizer que se arrepende de ter amado tanto acredito que é porque ainda não conseguiu sair da guerra
e porque ainda lhe dói,
porque ainda ama.
Quem realmente amou e deixou de amar tem o privilégio que eu tenho,
de ver o mundo como nunca tinha visto,
de ser para além daquilo que eu era,
de ter um leque aberto de oportunidades que nunca antes tinha tido.
De amar de novo,
ai de amar de novo,
como se fosse a primeira vez.
E de andar,
como se nunca tivessem havido quedas.

-MariaCunhaESilva




quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Escolheste deixar-me


Sabes aquele exato momento em que escolhes amar alguém? Sim, o amor é uma escolha mesmo que por vezes só consigamos ver que existe um lado por onde ir, há sempre outro caminho oposto, porém estamos tão cegos que tudo o que nos afasta de amar não nos parece correto e fechamos os olhos a isso. Seguimos um trajeto a mentirmo-nos, a culpar outros e não a nós próprios quando nós fomos os únicos que escolhemos cair nessa vala, nesse esgoto sem saída a que todos chamam de paraíso.
Mas bem... sabes esse exato momento? Em que te imaginas a querer alguém vinte e quatro horas por dia até que se casem ou que morram frios e gelados numa cama de um lar qualquer? Foi nesse momento, nesse exato momento, em que te imaginava com rugas e trémulo numa cama com lençóis sem graça, que me disseste que afinal não me amavas, que esse tal sentimento que tinhas falado durante meses e pelo qual me tinhas beijado, não tinha passado de um equívoco.
Tudo bem, sorri e fingi que nem estava a pensar amar-te, que tudo o que tínhamos sido tinha sido apenas uma distração e um erro comum. Na minha cabeça imaginei outro casal de velhos a morrerem felizes e juntos e eu, sem ti e sozinha num lar qualquer onde os meus filhos se dividiam aos fins-de-semana para não me deixar entender que ia morrer só.
Eu não te amava mas queria amar. Escolhi não escolher, simplesmente saltei a parte da resposta e continuei como se não tivesse havido uma pergunta, como se nunca tivéssemos existido quase como amantes eternos.
Afinal, tudo não tinha passado de um erro, de uma confusão mental qualquer e eu entendi como se fosse normal fingir meses seguidos. A culpa também é minha, também entrei na mentira, também representava um sentimento que não existia mas que queria existir. Travei todos os sentimos com medo que o meu coração fosse partido e no exato momento em que punha em questão amar alguém, por ironia e maldade do destino, recebi um não como resposta do outro lado. Não, não amei, não, não senti assim tanto quanto te disse. Nem eu mas estava pronta para começar. Não sei se estava a começar tarde demais ou demasiado cedo mas naquele preciso momento eu queria tanto que hoje doí-me o medo que tive. Talvez se te tivesse dito a verdade o destino teria sido simpático comigo, talvez se te tivesse amado corretamente tu ainda estarias aqui hoje mas não estás e o destino ainda se continua a rir porque eu oiço-o cada vez que acordo durante a noite.
Sabes aquele exato momento em que escolhes amar alguém? Quando imaginas uma casa com mais três quartos para haver quartos para os miúdos? Quando as horas passam porque a imaginação não para? Nesse exato momento, eu queria escolher amar-te mas tu escolheste deixar-me. O nosso amor nem conseguiu nascer devido às respostas que demos a uma simples pergunta, devido à escolha de um simples momento, devido ao teu não que se elevou em relação ao meu sim, meio calado e sem forças pelo medo que tinha de errar e de me apaixonar de novo e que, tristemente, tinha razão pois escolheste deixar-me em vez de dividires a tua velhice comigo num quarto de um lar.

-MariaCunhaESilva