segunda-feira, 13 de junho de 2016

Carta para o meu eu passado

     Ela tem os olhos verdes quando chora. Já perdi a quantidade de vezes que a vi a chorar no sofá da sala, completamente perdida na esperança que tu voltasses. Não vais voltar, pois não? Ela espera-te, numa contagem louca, como um miúdo espera pelo Natal e pelo seu aniversário.
    Não acredito que foste perder alguém assim sem tremeres de dores e de arrependimento. Quem me dera que alguém me olhasse da maneira que ela observa o mundo quando fala de ti e de tudo o que fizeram juntos. Se te pudesse fazer-te apenas uma pergunta no mundo, perguntar-te-ia onde encontraste um defeito nela já que a olho há meses e ela continua sem uma mínima falha.
    Parece-me que o mundo foi feito para os corações doces se apaixonarem por alguém que os vão tornar mais salgados, mais duros. Ela era apenas uma menina pequenina, que acreditava piamente que a ias amar para sempre. Já se passaram mais de quarenta dias que desapareceste e ela continua a dizer que te pertence mesmo que tu não lhe pertenças. A maior loucura no meio disto tudo foi a tua, de a deixares ir quando não encontras ninguém assim tão rapidamente.
     As camisolas e as calças delas estão-lhe largas, não a vejo a comer chocolates e o prato inteiro há meses. Percebo que o amor faz-nos sentir um frio na barriga e que a falta dele faz com que tenha um vazio. Ela tem fumado muito, não que ela não fumasse antes mas parece que os cigarros oferecem-lhe algo que ninguém lhe pode oferecer. Os cinzeiros estão cheios de beatas e os pratos da refeição que devia ter sido comida. A tua decisão de deixá-la, está a deixá-la doente e quem me dera conseguir parar isso.
    Saímos a noite no outro dia, ela estava mais bêbeda do que alguma vez a vi. Andava aos ziguezagues com lágrimas a escorrem-lhe pelos olhos com rímel. Beijou o primeiro rapaz depois de ti, os olhos dela estavam mortos enquanto os lábios se moviam. Custou-me assistir em praça pública à morte da sua ingenuidade. A partir desse dia, o reflexo que ela via ao espelho não passava de uma miúda que estava quebrada mas que mantia isso para si própria.
    Foram mais de mil fases, poderia escrever-te durante horas. Fases que continuavam e se repetiam até ao dia que ela se ergueu e bateu a porta na tua cara. Deixar-te de amar foi a mais difícil desistência da vida dela, quando ela nem sabia que desistir era um ato de coragem. Estavas acima dela em termos de preocupação, ela morreria por ti e por isso é que andou meses a morrer aos poucos por não estares lá. Tenho toda a pena do mundo por teres desistido de alguém assim, que te amava tão intensamente que o mundo dela abalava em cada passo teu. Há pessoas que só se pode ter uma vez na vida, ela foi uma delas. Mostrou-te todos os sentimentos do mundo mesmo que o coração puro dela só te quisesse mostrar o que é o amor.
"Amor é aquilo que tu tiveste e já não tens", ela disse-me.

-Carta para o meu eu passado.


-MariaCunhaESilva


 

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