Escrevo e amo sem pensar e ainda estou à espera que a vida me diga se é um defeito ou uma qualidade.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2015
O dia que te esqueci
No dia que te esqueci comi cereais com leite, vesti umas calças justas e uma camisola larga (eu sei que é na nada de especial mas está na moda).
No dia que te esqueci escovei os dentes e não senti a falta da tua escova naquele copo que comprei a cinco euros no Ikea e mal tu sabes o choro que era todas as manhãs deparar-me com o vazio das tuas coisas. Chorava e borrava os olhos, bem tu me dizias que devia deixar de encomendar maquilhagem daquela revista que a melhor amiga da minha mãe tem mas seria um desgosto que não lhe quero provocar.
No dia que te esqueci reclamei com o cabrão do vizinho de baixo que agora tem a mania que a namorada pode estacionar no teu lugar. Preferia quando ele namorava meninas do liceu que nem carta têm mas acho que os seus quarenta já lhe estão a trazer a perceção que elas têm idade para ser suas filhas. Ia sempre a pensar em ti até chegar ao escritório, no quanto nos íamos rir destas situações hilárias devido aos vizinhos em crise de meia idade mas no dia que te esqueci nem me recordei que podias rir comigo.
No dia que te esqueci almocei com a Joana, está gravida de seis meses (ela que sempre nos dizia que não gostava de crianças), comi salada e bebi um Compal de pêra num daqueles restaurantes onde o preço é maior que a qualidade mas enfim, tinha sido escolha dela. Se tivesses lá, pedias um bife com batatas fritas e uma água (numa tentativa de ser saudável falhada) e quase de certeza que estarias a resmungar com a vida por não sermos o primeiro casal do grupo de amigos a ter uma criança a chorar pela casa mas tu não estavas e eu nem reparei na tua ausência.
No dia que te esqueci só fumei um cigarro até chegar a casa pois foi um dia ocupado e eu fumava mais quando tinha saudades tuas. Fumei um cigarro daquele maço que está no móvel da sala quando não temos cigarros e não nos apetece sair de casa para ir comprar mais. Acendi-o enquanto via o mar, sentei-me no banco onde passávamos noites a beber vinho branco e a planear o futuro. Se não te tivesse esquecido nesse dia talvez me torturasse com as memórias tuas que habitam na casa mas ela foi um negócio demasiado bom para eu sequer colocar em questão deixar as recordações estragarem o investimento.
No dia que te esqueci tive de sair de casa de fato de treino para ir comprar comida para a gata e o para bem dos meus azares, o supermercado já estava a fechar quando lá cheguei, ainda bem que o homem da caixa era um defensor de animais e não um trabalhor desmotivado e contra horas extras. Nunca gostei de gatos mas tu disseste que não irias ter tempo para a Estrelinha - que raio de nome piroso tu lhe deste - e eu que a carregue, a ela e ao seu nome que até me custa a dizer quando alguém novo vem cá a casa. No dia que te esqueci, eu que não gosto de gatos gostava mais da minha Estrelinha do que de ti.
No dia que te esqueci liguei o aquecedor da sala, acendi a televisão que sempre achei que era exageradamente grande e vi um daqueles típicos episódios de uma série policial... é verdade, eu que sempre te pedia para mudares de canal acabei rendida aos polícias americanos mas tens de concordar comigo que é obvio desde o inicio quem é o culpado. Adormeci no sofá e tu não estavas à minha espera na cama, no dia que te esqueci soube-me melhor dormir sozinha do que de qualquer das vezes que dormi contigo.
Na verdade, no dia que te esqueci, não sei que roupa vestia, qual foi o meu pequeno almoço, se o cabrão do vizinho tinha uma namorada com a idade certa ou qualquer outro detalhe pois o dia que te esqueci não tem data definida. Apercebi-me que te esqueci quando dei por mim sem me lembrar de ti há dias seguidos.
No dia que te esqueci foi o dia que comecei a lembrar-me de mim.
-mm
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