Ela estava quebrada e juntou todos os pedaços para que a teu lado pudesse ser suficiente. Os cacos estavam colados e ao teu colo pareciam indestrutiveis a qualquer vento que o destino trouxesse e ela sorria por todas as feridas estarem saradas, todas lagrimas secas e todos os pesadelos acabados até ao dia que partiste e o vento partiu em inúmeros pedaços quem ela era. Eras a cola.
Ela sempre tinha sido a criança estranha que lia livros no recreio, que escrevia em papeis soltos poesia, que não gostava de nenhum menino porque queria um amor a sério. Tu sempre tinhas sido a criança feliz e boa no desporto, de joelhos esfolados, que pintava fora das linhas e dava beijinhos atrás dos arbustos. Obvio que nunca dariam certos mas ela sempre tinha lido histórias de amor onde não se desistia à primeira e tu por não saberes o que era uma tinhas curiosidade de experimentar o que era amar alguém.
Ela era o sorriso em pessoa e mal tu sabias os oceanos que nasciam dentro dela devido a todas as lágrimas que não expulsava pois mostrava-te o melhor lado dela seja nas fotografias ou na vida com medo que deixasses de sentir o que sentias. Ela acreditava que não seria alguém sem a possibilidade da tua existência, da vossa existência e então quando decidiste ir embora, todos os oceanos que nasceram em segredo dentro dela tiveram a urgência de sair noites de seguida e ela chorou, chorou até não restar uma única gota salgada que quisesse vir ao mundo. Ela chorou por ti e por todas as vezes que não o fez devido a ti e ao medo de perder-te.
Ela era a miúda que pedia um beijo à mãe depois de uma discussão só porque não sabia o que era dormir com a dor de perder ou magoar alguém. Escrevia pequenos papeis e deixava-os pela casa só para que soubessem o amor que ela sentia, ela a ti não te escrevia mas vivia a tentar mostrar-te o sentimento que ela tinha por ti. Um dia ela deixou de espalhar frases pela casa e deixou de te dizer que amava porque tal como todos, ela acabaria por crescer mas continuaria a amar a mãe mesmo que não o escrevesse em papeis que colocava no frigorifico.
Ela gostava de andar descalça fosse no inverno ou no verão e não haveria meias ou chinelos que a fizessem mudar de ideias, "adoro sentir o chão frio" dizia mesmo que na semana a seguir passasse dias doente pois pequenos minutos de prazer valiam todas as consequências e ela era assim contigo "adoro a maneira como ele olha para mim" dizia mesmo que no ano a seguir passasse dias de coração partido pois, na sua opinião, pequenos minutos a ser amada por ti valiam todas as consequências.
Ela sempre vestia vestidos curtos, nunca secava o cabelo e dançava na frente do espelho e tu que sempre pensavas que miúdas que liam usavam óculos e calças... ficavas horas a olha-la sem maquilhagem. Ela mostrou-te um lado do mundo que nunca irias reparar, ela amava de corpo e alma. Faziam muito amor pois ela se era para dar-te algo oferecia tudo o que tinha, desde a pele a palavras quentes. Ela gostava de dormir contigo só para ter certezas que era mesmo como o amor que ela lia em todos aqueles livros que enchiam a mesa de cabeceira das camas onde vocês adormeciam nus.
Ela gostava de finais tristes, dizia-te que estava apaixonada por um filme ou por um romance porque o final era trágico, tu seguravas-lhe uma madeixa de cabelo e não entendias toda aquela melâncolia que carregava se na tua opinião tudo o que era bom teria de ter um final feliz mas mesmo assim ofereceste-lhe o que ela gostava de ler, um final triste. Ela agradeceu, deu-te um ultimo beijo inesquecível e deixou-te ir. Ela contou-te uma vez que recolhia caracóis, borboletas e todos os animais que encontrava no jardim até que um dia percebeu que se os amava tanto teria de os deixar ser livres, teria de deixa-los viver no seu habitat e mesmo que ela acreditasse que o teu habitat fosse nos braços dela, queria que tu descobrisses isso por ti próprio, então, como uma borboleta azul que ela encontrou quando tinha oito anos, disse-te para voares. E voaste.
Ela gostava de tomar banhos longos mesmo que o tempo fosse curto para todos os planos que ela teria nesse dia e assim, da mesma forma, ela beijar-te-ia. Ela poderia não ter tempo para se pentear como deve ser, para escolher meias da mesma cor ou para comer um bom pequeno almoço mas teria sempre tempo para ti a que horas fosse ou a qualquer momento do dia pois para além de tudo, tu estarias sempre em primeiro na lista de prioridades, até mesmo acima dela mesma e por isso tu também decidiste ir embora, o peso que fazias nela mesmo que não fosse tua culpa era demasiado por não ser retribuído e aí entendeste que amar não era uma escolha e que mesmo que a quisesses amar da mesma maneira que ela te amava, tu simplesmente não o sentias.
Ela escolhia sempre roupa à pressa, odiava compras e nunca pintava as unhas e no meio de uma multidão de miúdas iguais ela odiava que dissessem que ela era diferente, mal ela sabia que diferente era bom. O tempo levou-te para longe dela e agora vês-te em braços de raparigas que trocam de perfume todos os meses e que nem sabem a tua data de nascimento. Ela nunca mudava de perfume e isso iria fazer com que memórias vossas aparecessem em situações inoportunas que a vida viria a trazer. "Mudaste de perfume?" perguntavas a uma de muitas que viriam a entram na tua vida e sempre que te diziam que sim, esperavas ansiosamente por uma delas acertar no perfume dela mas nunca chegavam a tal escolha. Não é um perfume popular e no teu subconsciente agradecias por isso pois no fundo, não imaginarias uma pele diferente com um cheiro que te lembrava todas as vezes que amaste tão intensamente.
Ela inteira a teu lado, quebrada por dentro. Ela poeta, escritora e leitora assídua. Ela sorriso na cara sem maquilhagem. Ela cabelo despenteado e molhado. Ela roupa escolhida à pressa e pés descalços. Ela banhos de espuma. Ela unhas curtas sem cor. Ela perfume que não encontras em outro lugar. Ela que não encontras noutro lugar a não ser no passado que deixaste fugir. Ela.
-mm