segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ela


Ela estava quebrada e juntou todos os pedaços para que a teu lado pudesse ser suficiente. Os cacos estavam colados e ao teu colo pareciam indestrutiveis a qualquer vento que o destino trouxesse e ela sorria por todas as feridas estarem saradas, todas lagrimas secas e todos os pesadelos acabados até ao dia que partiste e o vento partiu em inúmeros pedaços quem ela era. Eras a cola.
Ela sempre tinha sido a criança estranha que lia livros no recreio, que escrevia em papeis soltos poesia, que não gostava de nenhum menino porque queria um amor a sério. Tu sempre tinhas sido a criança feliz e boa no desporto, de joelhos esfolados, que pintava fora das linhas e dava beijinhos atrás dos arbustos. Obvio que nunca dariam certos mas ela sempre tinha lido histórias de amor onde não se desistia à primeira e tu por não saberes o que era uma tinhas curiosidade de experimentar o que era amar alguém.
Ela era o sorriso em pessoa e mal tu sabias os oceanos que nasciam dentro dela devido a todas as lágrimas que não expulsava pois mostrava-te o melhor lado dela seja nas fotografias ou na vida com medo que deixasses de sentir o que sentias. Ela acreditava que não seria alguém sem a possibilidade da tua existência, da vossa existência e então quando decidiste ir embora, todos os oceanos que nasceram em segredo dentro dela tiveram a urgência de sair noites de seguida e ela chorou, chorou até não restar uma única gota salgada que quisesse vir ao mundo. Ela chorou por ti e por todas as vezes que não o fez devido a ti e ao medo de perder-te.
Ela era a miúda que pedia um beijo à mãe depois de uma discussão só porque não sabia o que era dormir com a dor de perder ou magoar alguém. Escrevia pequenos papeis e deixava-os pela casa só para que soubessem o amor que ela sentia, ela a ti não te escrevia mas vivia a tentar mostrar-te o sentimento que ela tinha por ti. Um dia ela deixou de espalhar frases pela casa e deixou de te dizer que amava porque tal como todos, ela acabaria por crescer mas continuaria a amar a mãe mesmo que não o escrevesse em papeis que colocava no frigorifico.
Ela gostava de andar descalça fosse no inverno ou no verão e não haveria meias ou chinelos que a fizessem mudar de ideias, "adoro sentir o chão frio" dizia mesmo que na semana a seguir passasse dias doente pois pequenos minutos de prazer valiam todas as consequências e ela era assim contigo "adoro a maneira como ele olha para mim" dizia mesmo que no ano a seguir passasse dias de coração partido pois, na sua opinião, pequenos minutos a ser amada por ti valiam todas as consequências.
Ela sempre vestia vestidos curtos, nunca secava o cabelo e dançava na frente do espelho e tu que sempre pensavas que miúdas que liam usavam óculos e calças... ficavas horas a olha-la sem maquilhagem. Ela mostrou-te um lado do mundo que nunca irias reparar, ela amava de corpo e alma. Faziam muito amor pois ela se era para dar-te algo oferecia tudo o que tinha, desde a pele a palavras quentes. Ela gostava de dormir contigo só para ter certezas que era mesmo como o amor que ela lia em todos aqueles livros que enchiam a mesa de cabeceira das camas onde vocês adormeciam nus.
Ela gostava de finais tristes, dizia-te que estava apaixonada por um filme ou por um romance porque o final era trágico, tu seguravas-lhe uma madeixa de cabelo e não entendias toda aquela melâncolia que carregava se na tua opinião tudo o que era bom teria de ter um final feliz mas mesmo assim ofereceste-lhe o que ela gostava de ler, um final triste. Ela agradeceu, deu-te um ultimo beijo inesquecível e deixou-te ir. Ela contou-te uma vez que recolhia caracóis, borboletas e todos os animais que encontrava no jardim até que um dia percebeu que se os amava tanto teria de os deixar ser livres, teria de deixa-los viver no seu habitat e mesmo que ela acreditasse que o teu habitat fosse nos braços dela, queria que tu descobrisses isso por ti próprio, então, como uma borboleta azul que ela encontrou quando tinha oito anos, disse-te para voares. E voaste.
Ela gostava de tomar banhos longos mesmo que o tempo fosse curto para todos os planos que ela teria nesse dia e assim, da mesma forma, ela beijar-te-ia. Ela poderia não ter tempo para se pentear como deve ser, para escolher meias da mesma cor ou para comer um bom pequeno almoço mas teria sempre tempo para ti a que horas fosse ou a qualquer momento do dia pois para além de tudo, tu estarias sempre em primeiro na lista de prioridades, até mesmo acima dela mesma e por isso tu também decidiste ir embora, o peso que fazias nela mesmo que não fosse tua culpa era demasiado por não ser retribuído e aí entendeste que amar não era uma escolha e que mesmo que a quisesses amar da mesma maneira que ela te amava, tu simplesmente não o sentias.
Ela escolhia sempre roupa à pressa, odiava compras e nunca pintava as unhas e no meio de uma multidão de miúdas iguais ela odiava que dissessem que ela era diferente, mal ela sabia que diferente era bom. O tempo levou-te para longe dela e agora vês-te em braços de raparigas que trocam de perfume todos os meses e que nem sabem a tua data de nascimento. Ela nunca mudava de perfume e isso iria fazer com que memórias vossas aparecessem em situações inoportunas que a vida viria a trazer. "Mudaste de perfume?" perguntavas a uma de muitas que viriam a entram na tua vida e sempre que te diziam que sim, esperavas ansiosamente por uma delas acertar no perfume dela mas nunca chegavam a tal escolha. Não é um perfume popular e no teu subconsciente agradecias por isso pois no fundo, não imaginarias uma pele diferente com um cheiro que te lembrava todas as vezes que amaste tão intensamente.
Ela inteira a teu lado, quebrada por dentro. Ela poeta, escritora e leitora assídua. Ela sorriso na cara sem maquilhagem. Ela cabelo despenteado e molhado. Ela roupa escolhida à pressa e pés descalços. Ela banhos de espuma. Ela unhas curtas sem cor. Ela perfume que não encontras em outro lugar. Ela que não encontras noutro lugar a não ser no passado que deixaste fugir. Ela.

-mm




Como sempre


Eu sei que um dia nos vamos encontrar no meio de uma multidão apressada, vais-me olhar de alto a baixo e com os teus olhos fixos nos meus irás dizer-me surpreendido "não esperava encontrar-te aqui" como me quisesses dizer que ainda vês a adolescente que era por detrás da maquilhagem, da mala cheia de objetos inúteis e dos saltos altos. De seguida irei sorrir para ti e sem pensar muito irei responder-te com um "olá, então como andas?" seco e rude para que entendas que a menina ingénua e fraca que deixaste tornou-se numa mulher forte e de sucesso.
 Nesse dia tudo irá parar a nossa volta como no momento do nosso primeiro beijo e por segundos cada centímetro da tua pele vai relembrar-me de todas as noites em claro e de todo o bem que me fizeste, as tuas mãos vão parecer que pedem as minhas e na verdade vão mesmo faze-lo mas os anos que nos vão separar vão ser mais do que a possibilidade ou desejo de nos termos um ao outro.
"Queres beber um café? Não sei nada sobre a tua vida" vais dizer-me com a voz calma enquanto a barba me vai fazer recordar do quanto amei o puto que se queixava das borbulhas que lhe atacavam a face. Aceito o teu café e pelo caminho, passo a passo ambos acabamos por entender que temos de nos conformar com a distância que criámos um do outro quando partimos os nossos corações. Vou contar-te pequenas coisas e o teu olhar vai quase parar em cada gesto meu ou a cada gargalhada que irei dar a contar os tempos que bebia em festas sem pensar nas consequências e no meio do meu discurso elaborado questionas a verdadeira razão de teres ido embora, perguntas subtilmente se tenho ideia da imaturidade que foi a tua despedida e eu, com a alma a sorrir irei afirmar que é tarde demais e que tal como disseste não conheces nada da minha vida. Infelizmente ou felizmente. As minhas mãos vão tremer um pouco e o café vai estar mais amargo do que o habitual mas desculpa, não irei continuar um amor de adolescência na vida adulta e porque de todos os sentimentos do mundo que poderei ter por ti, amor não será um deles. O futuro não nos vai unir por mais que agora o deseje. Desculpa não desculpar-te mesmo que o tempo passe.
As nossas conversas vão ter indiretas sobre o quanto errado foi errar e estragar o que tínhamos. "A serio?" (deveria ter ficado). "Estás incrível!" (não deveria ter ido).
Vai chegar o final daquele encontro casual, "Eu pago o café como sempre fiz" e com essa tua frase irei dar uma gargalhada pequena e olhando-te nos olhos irei perguntar-te "Sabes que o tal como sempre que falas foi há dezasseis anos atrás, não sabes?" e tu com vultos de memórias a aparecerem-te na tua cabeça irás tocar na minha mão e como que num desabafo respondes "como poderia não saber?". Pagas o café, abres a porta e despeço-me de ti com um beijo na cara, dizes que tens de ir e eu de sorriso no rosto digo-te "como sempre".

-mm


domingo, 29 de novembro de 2015

Parece


Parece que ainda nem passou um ano desde o nosso ultimo beijo. E não passou. Mas desde que te deixei de amar parece que perdi a noção do tempo. Parece que a existência de um necessita da existência do outro.
Parece que foi o ano passado que te amava para sempre. E foi. Mas desde que o teu corpo começou a ser apenas mais um na multidão,o sentimento morreu sem ar num jardim que destruíste, o mesmo que plantámos juntos.
Parece que foi há dois anos que te toquei pela primeira vez. E toquei. Mas desde que as tuas mãos percorrem outros corpos e as minhas também, o nosso silêncio partilhado devido a beijos e respirações ofegantes tem pouca importância.
Parece que foi há um ano e meio que fazíamos amor em camas que não eram as nossas. E fazíamos. Mas desde que deixei de te ouvir que não me recordo das noites que passámos acordados a criar amor com suor, com saliva ou apenas com palavras.
Parece que foi há quase dois anos que te conheci. E conheci. Mas desde que te foste embora que não te reconheço então não sei entender se algum dia eu realmente soube quem verdadeiramente és.
Parece que te escrevo por amor. E escrevo. Mas desde que ganhei maturidade entendi que a minha escrita traduz o sentimento que existiu mas que já não existe, seguro sentimentos que já não existem nas frases que coloco em papel.
Parece que já não te amo há meio ano. E não amo. Mas desde do momento que acreditei que quem deixa de amar nunca amou não queria confrontar a realidade então mentia a mim mesma e prometia que te amava quando o que sentia era tudo menos amor, chama-lhe obsessão, rancor ou saudades mas não era definitivamente amor.
Parece que me amaste há uns meses atrás. E amaste. Mas o teu sentimento acabou tão bruscamente e sem explicação que o teu amor hoje a pouco me sabe e todas as memórias que tenho tuas são para me questionar da intensidade do que sentias quando eu estava no pico de qualquer sensação sempre que estava contigo.
Parece que já não estou contigo há uns sete meses. E não estou. Mas qual era a vantagem de te olhar mas não te ver, de te tocar mas não te sentir e como deves imaginar seria nenhuma então não choro ou sinto qualquer tristeza por não trocar palavras ou encontros casuais contigo.
Parece que nunca te vou esquecer. E não vou. Mas vou e já aprendi a viver com o passado que partilhámos juntos mesmo que o presente não nos una minimamente mas agradeço tal facto pois o minimamente mataria-me aos poucos, prefiro não te ter completamente do ter um pedaço o que antes tinha por inteiro.

-mm


 
 

 
 

Perdas e ganhos


Passámos de um amor para uma competição, ganhava quem deixasse de amar primeiro. Ganhaste e como prémio tiveste a culpa e enquanto eu chorava no quarto por te ter perdido tu choravas por teres ganho. Há trofeus que pesam e o do nosso amor morto matava-te aos poucos enquanto a minha derrota deixava-me mais viva a cada dia que passava.
O teu pódio trouxe-te desvantagens ao ponto que quase me dizias que quem tinha perdido eras tu. Eu carregava a vontade de ressuscitar-te e tu carregavas a minha morte em ti já que a taça lembrar-te-ia de mim. As pessoas davam-te umas palmadinhas nas costas, perguntavam ironicamente se tinhas feito batota enquanto que a mim me abraçavam, beijavam a testa e prometiam-me que iria haver um dia que ias aperceber-te do quanto perdeste em ganhar.
Havia regras no jogo e como perdedora limitei-me a desrespeita-las. "Vou partilhar o meu certificado de participação com outro alguém e já não preciso que me limpem as lagrimas que escorrem na minha cara." e a tua frente ganhei um outro jogo. Não se podem ganhar todos e a minha vitória dependeu da tua. Obrigada por teres ganho que eu acabei por ganhar outro jogo apenas porque perdi anteriormente.
Passámos de um amor para um empate de competições. "Deixei de te amar primeiro" ganhaste, "Assumi alguém primeiro" ganhei e no fim perdiamo-nos um do outro. Somos demasiado competitivos para não haver remorsos, raiva ou inveja e não nos deixaram estar na mesma equipa... para te ser sincera, também não saberíamos partilhar o prémio.
Usaste como desculpa de tudo o que estragaste o facto de eu também ter estragado depois mas não entendeste que se nos inscreveste numa competição e eu iria pelo menos tentar ganhar e felizmente ganhei mas isso não é uma forma de apagar o erro que foi teres começado a jogar mesmo depois de te terem contado que é viciante. Não sei perder mas no primeiro jogo não estava a altura de ganhar por isso ficaste com o lugar e tu que carregues a culpa de teres destruído uma história conjunta apenas pela tua competitividade.
Não deixámos de jogar até ao dia que nos proibiram devido a tamanha rivalidade. "Não fales comigo se estás com ele", "Não te consigo olhar da mesma forma", "Magoaste-me demasiado para querer sequer dizer-te uma única palavra." e o valor de todos os ganhos acabaram por se destruírem ao mesmo tempo que nos destruíamos.
Ganhaste primeiro e eu ganhei depois e no meio de tantos jogos não entendemos que estávamos a perdermo-nos. Fracasso.
Estamos no pódio, um ao lado do outro, de coração vazio e de trofeu na mão.

-mm


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Perder a tampa da caneta


Quando era mais nova e perdia a tampa da minha caneta entrava em pânico enquanto via todos os meus amigos a colocarem uma tampa de uma caneta sem tinta para tentar não aumentar os estragos, para tentarem não ficarem sem tinta naquela que ainda lhe restava. Chamo-lhe ingenuidade de criança mas ainda hoje continuo assim. Vejo todos os meus amigos a taparem amores com outros que não se encaixam como deviam, vejo todo o mundo a tentar não acabar com a tinta em vez de aceitarem um final e chorarem. Pessoalmente prefiro não ter nada do que ver a minha caneta com uma tampa completamente diferente, há combinações que que não devemos criar só para substituir o vazio ou porque não aceitamos o final de algo. Olho em volta e todo o mundo escreve e eu choro noites sem fim por não haver nem uma réstia de tinta na minha caneta e eu juro que a escrita é fundamental para mim. Não sei avaliar se torno as coisas complicadas ou se todos os que estão a minha volta preferem tornar tudo tão fácil mesmo que abdiquem do sentido de algo. Prefiro acabar tudo de vez do que carregar no meu estojo uma caneta que um dia vai acabar por deixar de escrever e que andei a guardar com uma tampa que não era dela originalmente apenas para me proteger. Se a minha grande paixão é a escrita só devo entregar ao papel palavras criadas com a tinta de uma caneta que seja inteiramente perfeita a meus olhos. Dói-me dizer adeus mas pelo menos não ando a negar o que se nota a olhos vistos, o facto de que a caneta já não vai ser a mesma com uma tampa diferente.

-mm



quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Felicidade


O nosso grande problema está no facto de compararmos a nossa felicidade a todos os momentos que fomos felizes, de tal maneira que nos impede de contemplar tudo aquilo que temos a nossa frente. Imensas vezes numa situação onde poderia ser completamente feliz eu não me deixei ser por encontrar memórias onde na minha cabeça estava a sorrir mais ou estava com outras reações que faziam de mim uma pessoa visivelmente feliz.
Sempre discordei com a frase que afirma que nós mesmos comandamos a nossa felicidade, é completamente impensável dizer a alguém triste que ela tem o poder de se fazer feliz pois não é definitivamente escolha da mesma estar naquele estado de espirito mas atualmente tenho outra visão sobre diversas situações, há muitas onde estamos infelizes porque estamos perante problemas que não sabemos resolver ou mesmo sem resolução mas há outro género de infelicidade, aquela que nem a própria pessoa entende a razão de estar triste, é revoltante pois parece que tudo o que provamos atualmente não se compara aquilo que tínhamos. Cansei-me diversas vezes de tentar ser feliz quando a meus olhos eu sabia que podia ser mas não o era por nenhum motivo em especial até que um dia apercebi-me que eu mesma não me dava oportunidade devido a comparar tudo o que tinha sido com o que era.
Nós como seres humanos minimamente racionais entendemos que a felicidade que tínhamos com um ano de idade ao receber um brinquedo não vai ser a mesma se o recebermos atualmente, ou a felicidade de ler um texto sem erros quando se tinha seis anos e agora também não, assim como um novo amor não vai saber ao mesmo que o primeiro ou segundo, o estar solteiro não vai ser igual a quando se estava numa relação e todos os momentos devido ao facto de que o tempo passa e com ele nós envelhecemos e as situações mudam, logo vão saber a algo diferente, o ser feliz não vai ter o mesmo paladar e portanto logicamente e para bem de nós mesmos devemos parar de comparar o passado ao presente porque o bom de tudo está na diferença que ambos têm. Qual era o interesse de ser sempre feliz da mesma maneira? E qual seria o sentido da vida mudar e a felicidade ter exatamente o mesmo sabor?
Exigimos muito da nossa existência, exigimos até situações impossíveis. A felicidade está na racionalidade e na consciência que o que temos sabe ao "agora" e nunca ao que já soube. É impossível seres feliz com alguém da mesma maneira que foste com outra pessoa porque tanto tu mudaste como a pessoa não é igual, é impossível deslumbrares-te com situações que antes eram especiais e que agora se tornaram diárias e não tens de pedir desculpa por isso mas encontrar uma pequena felicidade nisso, é impossível que a terceira vez que faças algo saiba ao mesmo quando a fizeste pela primeira vez porque o tempo muda tudo, até a forma como encaras a felicidade. E devemos aprender a ser felizes, desculpem mas maior parte das vezes está nas nossas mãos.

-mm


terça-feira, 24 de novembro de 2015

Fantasma que sou


Soubemos dar um final delicado mas de tão delicado que era acabou por se partir em peças que não conseguimos voltar a encaixar. Errámos muito um com o outro mas só depois de termos desistido. Foi a desistência mais cruel devido a doçura que teve, devido a todas as lágrimas que escorriam e devido a todos os "amo-te" que saiam de ambas as bocas. Sempre acreditei que o fim de algo tinha como principal razão a falta de amor mas de tudo o que nos faltava, sentimento não era.
Pertencias-me tanto quando a sós falávamos da vida que levávamos em separado mas criavas em mim uma tempestade enorme sempre que te via de mão dada ou a sorrir para faces que não eram a minha como sempre tinha sido. Se me amas porque me trocas? e se não me amas porque sempre voltas?, aos poucos diversas questões como estas matavam o resto de mim que havia na minha existência que era tua.
Estragámos tudo quando terminámos algo antes do suposto pelo medo de estragar o que tínhamos. Somos muito idênticos e mesmo que tal característica fosse boa não havia maneira de nós sabermos lidar com ela. Todas as ações que separados fazíamos acabavam em um pedido pessoal de perdão para ambos, "desculpa mas acho que o sinto não é amor", "desculpa mas ando a encontrar-me com outro alguém" e o pior de todos "desculpa-me mas acho que te vou amar para sempre mesmo que não te ame".
O nosso amor estava em coma e o primeiro a desligar a maquina seria o corajoso e cruel. Sempre preferi morrer do que matar e tu por me amares tanto lá me fizeste a vontade e acabaste com a minha vida. Espero que saibas que pelo meu egoísmo eu nunca desligaria a maquina que nos ligava, mesmo que já não te ouvisse, sentisse ou te pudesse beijar sabia que de alguma forma estavas lá para mim. Percorri todos os corredores do hospital como fantasma que era e durante meses via-te a chorar na minha campa quando por um acaso da vida tu entendias que a decisão que tinhas feito tinha sido definitiva e que definitivamente me querias mais um pouco viva, abraçava-te sempre que te via com flores na entrada do cemitério mas tu pelo diabo que é a realidade não me sentias quando tudo o que vias eras tu. As tuas visitas deixaram de ser cada vez menos regulares ou quando vinhas nem uma pequena flor me trazias e eu em vez de te tocar, chorava por nem te sentir. Estavas a morrer aos poucos e era a minha vez de desligar a maquina, adiei o dia, a semana e o mês e ouvia todos a dizerem-me que manter-te era um ato de egoísmo que me mataria depois de morta. Ria-me deles. Como matar um fantasma? E fui morrendo de dia para dia tentando não encarar o obvio. Fantasmas morrem. Depois de quase morta duplamente, com as minhas mãos a tremer e sem forças desliguei a possibilidade de te ver meio vivo. Se nunca aceitei metades teria de aceitar a tua morte completa e saí do hospital com o termo de responsalidade assinado por mim e eu nem sabia que fantasmas podiam escrever. Não recebeste flores porque se te matei nunca terei coragem de te encarar pálido e com o coração sem batimentos, nunca tive uma tentativa de te reanimar mesmo sabendo que houve meses seguidos onde tu tentavas tal coisa devido a toda a culpa que depositavas em ti. Despois de morta não podia estar mais viva e a vida deu-me a vantagem de não conseguir ver quem eu matei para encontrar a minha paz então, devido a isso, não sei onde andas e se alguém te oferece flores ou se na tua cama conseguem ler o homicida que foste por amor.
Preferias ter-me morto com um bala do que me teres visto tão quieta e frágil numa cama de hospital onde metade dos médicos te pediam para tomares a decisão de desligares o que me mantia viva e os restantes afirmavam que o que tinhas de mim a partir daquele momento seria apenas memórias e o meu corpo a tua mercê mas suplicavam que não tomasses a decisão de desistir. O que seria os sinais vitais se já estava morta para ti? Não seriam nada e devido a isso puseste fim a tudo o que eu era e tudo o que eu fui um dia. Eu também preferia nunca te ter matado apenas porque morri um dia para ti.
Tornaste-me a mulher mais viva e mais morta a teu lado. Morri diversas vezes devido a ti quando tudo o que fazia era ressuscitar-te mas depois de ter envelhecido como fantasma nunca estive tão viva. A tua morte alimentou a minha vida e quem diria que os fantasmas a têm.

-mm






segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Desculpa se nos escrevo


Perco-te para sempre se não parar de escrever, dizes-me. E eu de tão perdida que estou não paro de escrever ou talvez pelo contrário, não paro de escrever por me ter encontrado. De pouco me interessa os teus pedidos se não ouviste os meus quando te pedia para ficares.
A tua voz perto do meu ouvido avisa-me "se não deixares de me ressuscitar em pedaços de papéis, juro-te que te deixo de amar mais do que já não amo" e no meio dessas tuas palavras soltas gasto tinta e suor pois não perco nada quando já perdi tudo. Quando já te perdi.
Cadernos com capas rígidas onde por dentro habitamos em diversas frases. Desculpa-me mas não quero saber se gostas porque tu já não gostas. De mim. E se já perdi o nosso amor não há nada que me possas tirar mais. Estou nua para me poderes assaltar, sou um vazio sem preço. Tão vazia de ti mas tão cheia de mim ao ponto de transbordar tudo o que sou. No papel. De ti pouco tenho. E pouco quero. Uso as peles gastas, o sangue morto que as minhas mãos têm e no meio de linhas dou-nos a possibilidade de reencarnação. Basta-me ter as assombrações do que éramos para continuarmos a ser algo no sentido que me interessa, a escrita.
Desculpa se nos escrevo, se te escrevo mas não tenho medo que me deixes de amar pois, oh meu amor, eu não te amo. Transformo restos em poesia, transformo o passado em folhas recheadas de letras em azul. Transformo tudo o que me magoava em palavras bonitas.

-mm


Amei-te?


Hoje vi-te encostado aquele sofá branco onde me sussurraste ao ouvido que me querias no quarto só para ti. Que idade tínhamos quando não tínhamos idade nenhuma para a nudez a que nos permitimos?
Seguras o nosso passado como seguravas a minha mão naquele caminho escuro cheio de pedras soltas. E como as estrelas estavam bonitas. E como nós éramos apaixonados.
Na cozinha lá continua a tua mãe a chamar o teu nome para a ajudar a tirar os pratos da prateleira que ela não chega e eu já não estou atenta ao arroz que arde com água e sal no fogão. Desculpa mas tive de ir. Por amor próprio. Nunca amei ninguém como te amei, nunca amei ninguém tendo simultaneamente compaixão para comigo mesma. Amei-te?
Escrevo-te no futuro que não nos liga, que não nos junta e que não nos une. Intensos e curtos, imaturos e premeditados éramos nós. Se a adolescência foi feita para errar no amor foi contigo que pequei.
O cabide da entrada continua vazio mesmo que ela também use casaco. Há um espaço que deixei por preencher e perdoa-me se te deixei no vazio quando me enchia de tudo menos do que tínhamos vivido.
Amo-te. Ou amava. E no pouco que isso interessa apercebo-me que nunca te disse ou nunca concordei em confirmar tal facto para comigo mesma. Como te abandonei se havia sentimento? Ou será que há sentimento apenas porque te deixei?

-mm



 

    quarta-feira, 11 de novembro de 2015

    Para ti, primeiro amor


    Leve. Suavemente. E assim nos amámos. Virgens de corpo e alma. Jovens no coração e em pensamento. Poetas que não sabiam o significado de uma estrofe. Músicos que só ouviam música no YouTube.
    Amei-te tanto. O passado foi todo nosso e guardo-te no lugar mais bonito que tenho em mim. As nossas memórias e a pessoa que ambos éramos são pedaços que vamos vendo em pequenos lugares na vida que agora levamos separados. Estou finalmente bem e ver-te bem faz com que esteja em paz com o mundo, aquele que nos separou mas que também nos uniu. A nossa intensidade valeu por todos os meses que nos faltaram. Durámos mais do que dois anos mesmo que só tenhamos estados juntos uns meses.
    Daqui a uns quinze/vinte anos os meus filhos vão me perguntar questões onde o teu nome terá de ser a resposta e a tua eternidade está nisso mesmo. Serás aquele que estará ligado para sempre em mim, serás aquele que me irei lembrar quando a minha filha estiver a chorar com a cabeça nas minhas pernas mas também aquele que me virá sempre a cabeça quando a vir a arranjar-se para uma sexta-feira no cinema. Sou tão eterna quanto tu e por isso descanso, serei a resposta para as questões dos teus filhos. Não irei dizer o teu nome, a coragem não vai ser tanta mas prometo-te que me lembrarei das nossas caras de adolescentes quando andávamos de mãos dadas pelas ruas da cidade.
    Fomos. Os. Eu A rapariga e tu O rapaz e não há qualquer destino que apague isso em nós. Já não há amor ou qualquer género de sentimento que nos faça valer a pena mas todas as recordações estão repletas de amor e de beijos a saberem a água do mar fazendo-me olhar para ti e tu para mim como se disséssemos "amo-te para sempre mesmo que o para sempre tenha acabado e mesmo que já ame outra pessoa".
    Amaremos outros e os nossos corpos vão descobrir o verdadeiro significado de prazer e seriedade com outros alguém mas mesmo assim guardaremos o toque um do outro e o cheiro dos lençóis cheios de pó onde nos deitávamos.
    Todas as noites onde não passámos de beijos como quaisquer miúdos. Todos os passeios na praia. Todas as brigas mínimas com resolução rápida. Todos cigarros divididos escondidos dos pais. Todos os passos gastos em passeios. Toda a gasolina gasta. Todas as mensagens e chamadas. Todos os segredos. Todas as primeiras vezes de algo. Todos os perfumes que fizemos com que se juntassem para criarmos a nossa própria essência.
    Quem ama mais do que aqueles que não têm a mínima ideia da dor de um coração partido? E assim éramos nós, sentados em bancos de jardim e em muros onde discutíamos a matéria de português e se ambos tínhamos visto a briga na escola.
    O tempo ensinou-nos a desculpar. As tuas ações e as minhas. Ambos errámos mesmo que em áreas e dimensões diferentes. Há demasiadas crostas em nós para voltarmos a ser o que éramos ou para termos conversas diárias. Às vezes pela a ironia das nossas escolhas lá nos esbarramos na rua e combinamos um café. Não te digo que mato saudades porque elas não existem mas mato algo em mim que não tem nome. O esqueleto do nosso amor às vezes parece que tem fome e assim, de tempos em tempos, alimentamo-lo.
    Acredito que todos sejamos inesquecíveis mas tu serás sempre aquele que deu o nome a tudo. Que me ensinou a amar e a deixar de amar. Que me deu um coração para cuidar (o meu) depois de ter cuidado do teu. Que me beijou a testa e se despediu. Que foi o meu primeiro amor. E que será para sempre O. E eu a A.

    -mm



     

    terça-feira, 10 de novembro de 2015

    Dia do casamento

    Dia do casamento e eu já não te amo... bem te disse que não gostava de usar branco em cerimónias e que também não me ia casar de preto ou de outra cor qualquer. "Se fosses casar com ele vestias a cor que ele escolhesse" mas tu não és ele e a infelicidade desse facto tanto eu como tu o carregamos.
    Pediste que eu escolhesse as flores, uma cor que representasse a nossa união. A dele comigo seria o branco, por mais que odeie essa cor, ele sabe-me a tal. A inocência do primeiro e eu que pensava que já não era virgem.
    Desculpa-me mas vais ficar sozinho ao altar, não me irás ver chegar de braço dado com o meu pai, vestida de renda e de contornos detalhados. Não me visto de branco depois de ter fodido tanto sem ser contigo. Aliás, nós nunca fodemos. Como é que nos podemos casar sem uma foda?
    A cabeleireira espera por mim, diz-me que não posso ficar trancada o dia todo na casa de banho se preciso de ter o cabelo arranjado para chegar ao altar. A minha melhor amiga diz-me que ao teu lado recebi e recebo mais do que alguma vez recebi com ele. O amor não tem medida e por mais que me entregues tudo o que há em ti o pouco dele sabe-me a dois da tua pessoa.
    Maquilhagem borrada e estive a manhã toda a tentar que os meus olhos parecessem apaixonados com medo que a minha mãe repare que vou contigo pelo simples facto de ele não me querer.
    Hoje é o grande dia. O dia que me despeço dele perante o mundo. "Amor, hoje casamos" dizes-me tu e parece que o oiço sussurrar ao meu ouvido "serás capaz de me matar num altar onde devíamos estar os dois?". As minhas mãos tremem, um futuro a teu lado sabe-me a tanto e a eternidade de um amor devia saber sempre a pouco.
    Vou jurar numa igreja que te amarei para sempre, até que a morte nos separe quando já estamos separados antes de termos nascidos, quando nunca te amei a minha vida toda.
    Hoje disse que me casaria contigo mas já não te amo. Nem nunca amei.
    Desculpa o vazio e a espera.
    Mas peço o divórcio.

    -mm
     

    Faminta de amor próprio

    Estava com tanta fome de ti que morria faminta de amor próprio. Chorava enrolada nos lençóis, a pele ardia e colava de tanta falta de vontade de enfrentar a vida sem ti a meu lado. Imaginava que a tua falta de amor trazia a falta de vontade de encarar o mundo mas o que me faltava era coragem.
    A minha vida tinha mudado os parâmetros desde a tua chegada, sentia que estava quase programa em pensar em ti antes de mim. E na verdade, estava. Desprogramar-te de mim demorou tempo, criei rotinas e novos lugares. Nas sextas à tarde já não ia ao nosso sítio e nas segundas de manhã com o cabelo despenteado já não te dizia o quanto me tinha custado acordar, ao sábado o sofá já não suportava o teu peso e eu aos poucos também não. O peso da tua existência. Os finais de uma relação custam. Perder e deixar a pessoa que amamos magoa mas nada magoa mais que o vazio do que antes era considerado diário, o vazio da pessoa. Não custava comer sozinha mas sim ver a cadeira sem ti, não custava andar na rua sem ninguém a meu lado mas sim relembrar de todas as vezes que andava contigo de mão dada, não custava não receber um telefonema ou uma mensagem mas sim lembrar de todas as vezes que o meu telemóvel vibrou com o teu nome.
    Uma fome insaciável de ti que me deixava sem forças e sem lucidez para entender que estava a viver perfeitamente sem nós e sem qualquer apoio teu. Gritava socorro e chamava pelo teu nome quando o certo a fazer era olhar-me ao espelho e acreditar. Acreditar que era capaz e que sou capaz e que amor não se mendiga mesmo que se ame muito outro alguém pois para além dos outros temos a necessidade e a obrigatoriedade de amar-nos primeiramente.

     -mm
     
     
       

      Os meus pêsames, meu amor.

      O amor que me fez respirar foi o mesmo que me fez sufocar uns meses depois. O que devemos fazer quando vemos a doença e a cura no mesmo frasco, nos mesmos braços e na mesma pessoa? Como não amar o que amávamos?
      Tremo. Olho-te nos olhos e procuro-te. Estavas tão vivo há uns dias atrás, como é que ocorreu o teu suicídio? As minhas mãos têm o teu sangue pelas tentativas de reanimação falhadas. Pelo som, a máquina acusa que já não vivo também (em ti).
      Sabes que odeio tudo o que é precoce então como é que escolheste matar-nos tão precocemente? Vazios e o cheiro de duas almas perdidas abrangem o quarto onde antes fazíamos amor. Como é que te posso esquecer se tudo onde olho me lembra de ti?
      Na mão tinhas uma faca, estavas a chorar e a pedir-me desculpa "não era isto que eu queria para nós mas não vejo outra solução", as minhas lágrimas caíram enquanto os teus olhos deixavam de ter o brilho que sempre tinham tido. Foi uma morte tão rápida que nem demos por ela, não me doeu instantaneamente mas sim quando o tempo passou e estava a morrer aos poucos e tu não me cuidavas das feridas nem me deixavas tocar-te para fazer com que o sangue estancasse. Não é por um amor morrer que morremos ambos com ele.
      A casa mortuária tinha a junção dos nosso perfumes. "Ainda te amo" "Eu também te amo mas tenho de ir" e foste. Deste-me a eternidade que tanto desejava pois só tudo o que acaba é eterno. Carrego a tua morte como carregava o nosso amor e choro sempre que te tento tocar e não passas de um corpo frio com o coração parado.

      Fase de negação. A minha mãe chorava por eu ter morrido contigo e eu dizia-lhe que o nosso amor viria a ser reanimado um dia, que eu iria ressuscitar com ele. Mal eu sabia que a nossa cobardia de morrermos de mãos dadas me iria destruir tanto. Se o amor ainda existia porque desistimos?
      Haviam flores por todo o lado, de todas as cores e nós em caixões diferentes planeávamos uma vida separados, eu fazia uma rota que tentasse levar-me a ti e tu criavas uma que tentasse nunca mais estares apaixonado por mim ou por alguém. Amar-me foi assim tão mau para não desejares sentir isso por mais ninguém?
      O padre rezou e disse que as nossas almas iam descansar em paz, mal ele sabia que quem morre de amor só encontra a paz nos braços que quem ama. Pega-me ao colo e vamos embora desta igreja, dá esse presente ao mundo que nos chora e a mim que te suplico. Buracos na terra e eu sempre disse que queria ser cremada. Parece que os mortos não têm opinião. Imagino-te a respirar calmamente enquanto me sufoco com este ar que me lembra a nossa inexistência. Tenho medo do escuro. Como é que te dei permissão para matares tudo o que era também meu, o nosso amor, se a morte não passa da escuridão do passado?
      Os meus pêsames, meu amor. Para ti, para mim e para o que era nosso o morreu por nossa (tua) culpa.

      -mm
       

      sexta-feira, 6 de novembro de 2015

      Casais modernos


      Casais modernos que temem amar quando dizem que amam. "Coloquei o teu nome na descrição do meu instagram", "Disse que te amava no Twitter", "Estou numa relação no Facebook". Se o amor é digital desculpa mas quero a tua pele na minha sem taxas, juros ou Wi-Fi, quero um romance sem níveis ou pedidos de amizade. Quero que me ames e se fores solteiro numa rede social qualquer, o mundo vai saber pelas ruas que estamos juntos e não por um andróide que pagámos na Worten.

      -mm


      Resultados de amar muito


      Tornei-me egoísta por ter amado muito, carregar um amor sozinha tornou-me em alguém que não carrega nada mais para além de amor próprio. Sou calculista e fria só por ter gostado tanto de alguém que quando bebia álcool esquecia o mundo, o meu nome e até a minha vida mas nunca o nome dessa pessoa. Vivo bem sozinha, sem apelos ou choros por ter segurado o mundo de alguém quando estava sem mapa pelo meu. Corações partidos são fáceis de curar mas as feridas que eles causam na alma são crônicas. Desculpem-me mas já não amo igual, já não sou a mesma. Se amar era essencial, hoje acredito que não haja nada mais desnecessário.

       -mm



      Memórias curtas e brutas


      Tenho saudades tuas e só te amei durante duas semanas e meia. Gostei de ti no meio dos lençóis e enquanto pensava noutro amor que o passado se encarregava de guardar. Pedi-te que me amasses em segredo, que as tuas mãos tocassem no meu corpo em locais fechados onde ninguém poderia ouvir os meus gemidos de prazer e de paixão (mas isso eu não sabia que sentia). Amei-te tanto e nem soube. Acabámos antes de sermos algo. Há amores que nem chegam a ser nada por medo de virem a ser tanto, acho que és um desse género. Só tive a oportunidade de te beijar durante vinte dias e mesmo assim há aturas que ainda me lembro do sabor da tua língua ou da maneira que fodiamos. Bastou poucos dias para me apaixonar e há meses que te tento esquecer. As memórias são curtas mas brutas. Tal e qual as nossas fodas.

       -mm

      Possibilidade que não te dei


      Na tentativa de esquecimento de um corpo que não o teu entrei na tua cama. Não sabia que cor gostavas, o porquê de o teu quarto ter fotografias de ti em criança se dizias que era uma altura que querias esquecer. Não sabia onde te tocar mas sabia o corpo dele de cor. Tinha medo de te mostrar o meu corpo nu e que tu não soubesses os pontos onde devias tocar como ele sabia e como eu me lembrava que ele sabia.
      O meu corpo para ti era uma página em branco que querias escrever mas desististe a meio. Nunca te percebi.
      No meio de um silêncio devastador e de noites de suor fui capaz de te dizer que estavas a fazer com que esquecesse o meu passado mesmo que não soubesses o nome dele. Acho que nunca acreditaste e na altura também eu não tinha certezas por isso quando decidiste ir eu não questionei o porquê do final mas sim do começo. Porque razão terias chegado se nem lutaste para uma continuação ou resultados?
      Foste uma borracha, a razão do apagão da minha história com ele e nunca te agradeci por isso. Obrigada.
      Amar-te não me doeu. Nem um bocadinho. E eu sempre pensava que amar era uma dor infinita até me apareceres numa sexta feira a tarde com um bilhete de cinema porque estavas cansado do meu quarto que tinha as paredes com o nome dele, disse-te que não, que não queria que as ruas tivessem o nosso nome. Queria ter-te no meu canto, nos meus lençóis e nada mais. Não queria mostrar ao mundo que eu própria estava a desistir de um amor que dizia que ia lutar uma vida inteira.
      Não fizemos amor, não sei de quem é a culpa. Talvez minha porque não permiti que acontecesse em tão pouco tempo ou tua que desististe logo no início. Fodiamos na esperança de apagar um amor morto que ainda vivia em mim. Cumprimos o objetivo sem saber. Despedimo-nos por desistência. Ambos não acreditávamos quando afirmava que eras tu que preferia na minha cama e aos sábados durante a tarde.
      Talvez tenha saudades tuas pois agora apercebo-me que não tenho saudades dele.
      Não te peço para voltares porque nunca realmente aqui estiveste mas afirmo que se quiseres tens agora essa possibilidade. A possibilidade que não te dei. Hoje já consigo ir ao cinema.

      -mm


      O nosso amor vive nela


      Ela usa o meu perfume para te convencer que tem um sabor que gostas, mal ela sabe que tu preferias a minha pele sem qualquer cheiro que se possa comprar. Ela sorri e diz que adora a tua cor preferida e as tuas decisões mas mal sabe ela que tu gostavas quando eu não concordava, quando ao contrário de muitos preferia dizer-te uma verdade nua e crua do que concordar para te ter. Nunca tive medo que me odiasses pois prefiro isso do que amares alguém que não sou realmente. Ela dá-te a mão, como via que fazíamos no jardim, quando estão na sala ou no quarto sozinhos mas mal ela sabe que tu preferes a pele do corpo inteiro do que só tocares nos dedos e na cara. Tentativas falhadas de ser eu. De ser amada como eu. Se o nosso amor vive nela talvez ainda viva em nós sem repararmos.

      -mm




      Vai e não voltes


      Voltava atrás e pedia uma conversa comigo "Não supliques amor, Maria", diria. Pedaços que são apagados pelo tempo quando todo o tempo do mundo já se passou mas quando não matamos o que na cabeça acontece não podemos acreditar que um relacionamento acabou. Causas perdidas, mãos gastas e pernas a tremer, meses e meses a frio para chegar ao final e entender que o que é meu acaba por me pertencer. "Ainda sentes o mesmo?" tantas perguntas sem respostas ou pelo menos as que gostaria de obter, saber como deixar alguém que amamos... uma lição difícil de aprender. Vai e não voltes. Não porque tenho medo de sentir mas sim já que aceitei a tua despedida nem vale a pena justificares a tua ida.

      -mm


       

      Parabéns

      Para a semana fazes anos e eu não sei o que dizer. Digo-te que te odeio? Ou que te amo? Não sei meu amor. Desde que te conheci que dois anos já passaram por ti, a barba já começa a ser bastante e em termos de altura estás incrivelmente mais alto que eu. O nosso amor veio a ser diminuído e tu, por ironia do destino, estás mais crescido. Pensei comprar-te um bolo com o número de dias que passámos juntos, que tristemente foram poucos. Mas intensos. Ideias estupida. Pensei oferecer-te uma camisa e colocar o meu perfume nela para que na manhã em que a vestisses ou num jantar com quem agora está na tua vida te lembrasses de nós e de mim mas tu tens de te lembrar sem a minha ajuda. Vais festejar a tua existência duradoura e eu vou chorar por a mesma ter morrido para mim quando andávamos de mãos dadas. A tua mãe publicou nas redes sociais uma fotografia tua em miúdo e na descrição afirmava que estás crescido. É verdade, o meu puto está crescido. Eu vejo ao longe como mudas, desde o modo de andar até aos teus objetivos e por incrivelmente que pareça ainda estou apaixonada por ti. Sei que daqui a uns dias vais partir o bolo em fatias e dares embrulhado em guardanapos às pessoas que mais adoras e eu já não estou nesse grupo por opcao tua. Nesse dia não vou comer pois uma parte irracional de mim ainda acredita que vais bater à minha porta com o bolo inteiro como metáfora de que sou o que mais importante que tens na vida e eu quero ter fome se tal acontecer. Quem eu quero enganar meu amor? O teu dia de festejo vai ser o meu dia de desgraça. Ela vai beijar-te à meia noite e eu vou estar em casa a guardar em mim um "Amo-te muito, espero que tenhas um dia excelente! Parabéns!" És tão novo e já tiveste tanto amor nas tuas mãos, talvez com o tempo percebas isso e para o ano eu te beije com a língua como quem quer dizer que estás crescido. O teu corpo tem vindo a moldar-se com os anos e a cabeça tem se perdido com eles. Há uns anos atrás conheci um miúdo que não tinha os braços tão fortes como agora tens e nem me conseguia pegar ao colo mas quando perguntava o que ele queria para o futuro respondia-me "algo que faças parte". Sabes onde esse rapaz anda? O puto que me amou quase como homem? O puto que definitivamente me amou como um homem.
      Não quero ir a tua festa e nem aceito convite, dispenso ter de bater palmas ao que parece ser para mim uma despedida do que fomos pois quanto mais o tempo passa mais a nossa existência fica longe e assim há uma grande possibilidade da tua memória falhar. A minha nunca falha. Queria que crescesses ao meu lado a todos os níveis e queria também que o amor crescesse em nós mas isso não aconteceu.
      Parabéns meu amor, espero que mesmo longe sejas feliz . Não vou ser mentirosa. Parabéns meu amor, espero que mesmo longe te lembres de mim e voltes. Consegues dar-me esse presente mesmo que o aniversariante sejas tu? Não quero embrulhos, basta-me o teu corpo nu, um pedido de desculpas e um "amo-te" doce. Doce como o bolo de chocolate que a tua avó fez o ano passado, quando o destino era bom para nós e eu sentava-me ao teu lado a ver filmes antigos com uma manta aos quadrados nos tapava. Lembro-me que o mundo podia estar contra nós mas como miúdos apaixonados que éramos, ficávamos calados a fazer amor no quarto desarrumado. Há dois anos atrás eram os teus quinze e eu amava-te tanto mas não tanto como hoje. É como eu te digo, os anos passam e continuo a adorar o puto que fez de mim o seu primeiro beijo e que me deu o primeiro orgasmo. O meu puto. Os anos passam por ti mas não pelo que sinto. Tristemente. Parabéns a nós que num universo paralelo estamos a dar certo porque sei nascemos para sermos um do outro de alguma modo ou forma. Parabéns a ti que vais fazer dezoito mas que vives em mim quase um milênio.

      -mm


       

      Sinônimos contemporâneos


      Por entre um "tem cuidado com a estrada" e um "fica mais um pouco" disse-te que te amava. Usei sinônimos contemporâneos pois apercebi-me que está fora de época escrever-te algo, quanto mais uma jura de amor eterno e eu posso, sem dúvida alguma, dizer-te que te amo eternamente. As nossas línguas enroscavam-se e no meio de suor e gemidos disse-te que estava apaixonada. Pensei que conseguisses decifrar este sentimento estranho que proliferava dentro de mim. Sentia-me apaixonada sem saber o que era a paixão e aí apercebi-me que estava a ser atacada sem qualquer arma de proteção. De dia para dia descobri novas maneiras de te demostrar o meu sentimento mas nunca te disse que te amava por palavras nuas e cruas e hoje apenas me resta tentar perceber se conseguiste entender a quantidade de vezes que te disse 'amo-te' de boca fechada, de mãos ou pernas abertas, com sorriso depois de um beijo ou um por uma frase solta antes de dormir como "espero que amanhã te veja a acordar". Uma vez, na loucura do momento arranhei-te as costa e escrevi um 'A' com as minhas unhas, simbolicamente estava a tentar mostrar-te amor e não amizade. Espero que saibas.

      -mm


      Homens que gostam de ler

      Sempre me apaixonei por homens que não gostam de ler. Patetice minha. Achei romântico amar o oposto de mim, eu que gosto tanto de ler, eu que acredito que os meus pais me fizeram no meio de uma biblioteca e que depois disso leram Florbela Espanca como uma maneira romântica prolongarem a paixão, eu que escrevo para limpar a alma e o coração. Nunca vivi um amor nas páginas de livros mas já perdi a conta de quantos já foram vividos em salas de cinema, motas com os pneus gastos ou em piscinas de hotéis sossegados.
      Bloqueei a entrada de homens bonitos, trabalhadores e fiéis mas que lessem poesia ou prosa, romances ou policiais, não deixei passar. Seria um amor demasiado fácil, não haveria discussões que terminassem na cama e que boas elas são, não haveria discussões que acabassem em gritos, portas batidas, malas feitas e um "nunca mais de quero ver" e que românticas que elas são. Gosto de ter a dificuldade de gostar para ainda gostar mais, gosto de mostrar ao mundo que continuo a lutar pelo que quero mesmo que todos os sinais sejam para eu desistir. Gosto da dificuldade de amar e quem lê nunca me daria isso. Disse-te que não, obviamente. Tiveste a lata de tocar à companhia com um livro na mão, "A Fada Oriana", se me querias impressionar pela leitura estavas a ir por um mal caminho pois não vivo amores que lêem e porque, não sei se sabias, todos nós já lemos Sophia de Mello Breyner nem que seja por obrigação da escola. Se fosses um dos que leu por obrigação ainda te abria a porta e daria-te a oportunidade de me dizeres o teu nome.
      Os dias passaram e nunca mais me bateste à porta, irritou-me aperceber que aceitaste um não sem dares luta. Pensei em ti noites sem fim, noites a fio, em noites quentes, inocentes quase que pensei que iria-te imaginar eternamente. Irritava-me o modo como me apareceste e como mesmo assim não sabia parar de pensar em ti. Sophia de Mello Breyner? Por quem me tomas? Sou menina mas não miúda. A verdade é que se tivesses trazido obras de Miguel Esteves Cardoso talvez nem me lembrasse de ti.
      Fiz o melhor que pude para salvaguardar o que sabia que era a minha última gota de sanidade mental, se já me doía ter amado quem nunca leu um excerto não queria aguentar ou provar a dor que era amar alguém que me mostrasse estrofes. Não te podia dizer que sim. Nunca te quis dizer que sim mas cada dia que passava o meu romantismo chamava por mim e eu que pensava que só os homens que gostam de futebol, jogos de computador, motas e carros me conseguissem prender o pensamento neles. Tenho medo que me dês amor certo porque sou daquele género de mulher que necessita de ter duvidas para ter certezas, não sei entendes.
      É raro encontrares uma mulher que leia Mafalda Ivo Cruz e eu sou uma delas, quase tão perigosa quanto aquelas que lêem Pedro Chagas Freitas. Diz-me que tens medo de me amares que talvez, quem sabe, abrir-te-ei a porta com um beijo na boca e uma mão aberta e depois sussurro ao teu ouvido "bem vindo à minha vida". Se entras nunca mais saía dela ou marco-te para sempre, pergunta a quem já me amou antes se queres certezas. Nunca me apaixonei por homens que gostam de ler, até te conhecer. Bem vindo.

      -mm
       

      Como é que acabo contigo em mim e com ele por esse motivo?


      Mando-te mensagem antes de ir ter com ele, pergunto-te se tens a certeza que já não há qualquer possibilidade de regresso, choro sempre quando leio as tuas palavras "Desculpa mas não" não me peças perdão, eu é que sinto demais para o tempo que já passou, eu é que estou errada, desculpa-me. Depois disso demoro-me a vestir, quero que ele se apaixone por mim mesmo que eu ainda esteja apaixonada por ti, sei que não é justo mas quem disse que amar necessitava de justiça?
      Normalmente escolho calções ou um vestido leve, fácil de tirar e o meu cabelo vai solto... tal e qual como gostavas. Quem me dera que gostasses. Beijo-lhe a cara, sorrio e peço apenas um sumo natural, deixei os crossaints e os bolos desde que foste embora, sei lá, deixei de querer ser tão eu. Não lhe dou beijos em público com medo que os velhinhos da rua pensem que já te esqueci. Normalmente vamos para o quarto dele pois é a casa mais perto do centro e nunca ninguém está lá, dispo as roupas e fico com a alma cheia de casacos enquanto ele se despe por completo. Gostava de gostar dele mas gosto de ti, é uma punição que a vida me deu e ainda não descobri que mal eu fiz. Faço sexo e reparo que mesmo que ele esteja apaixonado não me olha da mesma maneira que me olhavas, o toque não é tão suave e a minha pele continua inexplicavelmente a suplicar pela tua.
      Volto para minha casa, abraço o meu pai e repondo onde estive o dia todo com uma mentira "estive no café com amigas", digo que estou cansada e vestido o meu pijama antes das dez da noite. A minha mãe diz que não me reconhece, pergunta-me onde está aquela miúda que sorria a cozinhar e tomava banho a cantar, acho que ela ficou contigo estejas onde estiveres. Vou contar ao meu melhor amigo que talvez haja a possibilidade de me estar a apaixonar de novo, não quero que ele se preocupe pois já basta eu ser infeliz. Não quero espalhar a minha infelicidade por quem mais amo, era egoísmo da minha parte.
      Antes de dormir leio um livro, como marcador uso uma fotografia nossas quando fizemos um ano. Pareceu uma eternidade meu amor, no bom sentido claro mas quem de dera que tivesse sido uma eternidade mais longa. Não me lembro de ter amado alguém sem seres tu, não me lembro da minha vida antes de chegares. Sou um conjunto de pedaços teus que me ofereceste, a caminhar por estradas e caminhos que um dia percorremos os dois.
      Ontem estava naquela loja onde normalmente ia contigo, vi tantas peças de roupa que gostava de te oferecer mas não me deixas. E eu desisti da ideia. Nem sei o que ele gosta de tivesse de lhe oferecer um presente e se o fizesse era por algum tipo de obrigação, não por vontade própria. Há dias que penso que te esqueço e outros que até acho que te odeio mas os verdadeiros são aqueles que te amo. Hoje é um desses. Quem me dera que não fosse.
      Ele ligou-me antes de dormir, disse-me que estava a pensar em mim e eu respondi "também eu estava, dorme bem" menti. Obviamente que menti. Estive o tempo todo a pensar em ti mas eu não lhe quero partir o coração, não quero que ele sinta o que sinto e ele preenche o vazio que tu deixaste, ele acalma as dores que é amar-te sem me amares. Sei que um dia vais saber que ele está na minha vida como eu sei de todas as miúdas que deixaste que te beijassem, vais perguntar-te porque te mandei mensagem a dizer que não te esqueci, bem... foi um ultimato. Era um ou amas-me agora ou ele vai amar-me para sempre. Mesmo que não me ame e que te ame.
      A vida ensinou-me que dói não ser amada por quem se ama mas que também custa ser amado por quem não se ama. Se foi porque te custava que te foste embora, obrigada e não te preocupes comigo meu amor, prefiro que me deixes de amar do que me aguentes nos teus braços com dor. Sei que vou acabar por deixá-lo, que me vou sentir mais perdida e que vou chorar por ter magoado alguém por estar magoada mas por agora só te quero agradecer. Obrigada por me teres dito que me deixaste de te amar pois eu não sou capaz de fazer isso com ele. Como é que acabo contigo em mim e com ele por esse motivo?

      -mm

      Dois anos depois

      Hoje o relógio não marca as horas. Marca o tempo. O tempo que passou e a impossibilidade que é juntarmo-nos de novo. Há quem diga que depois da fase de choro de quando partiste tenho sido mais eu e há quem afirme que é tudo farsa, que é apenas para esconder a dor que é ver-te a passear num jardim sem mim a teu lado. Dói, é verdade mas já não tanto. Olha para o calendário, já faz dois natais que não estás aqui, dois aniversários ou quatro se contar com os meus e com os teus, já fez dois anos letivos, dois verões e duas primaveras. Havia uma obrigatoriedade de aprender a viver sem ti e então, felizmente hoje já sei sorrir verdadeiramente sem ter que te ouvir a dizer amo-te ou a acolher-me nos teus braços como um refúgio para os dias tristes e cansados. Não sei se é porque hoje é um dia especial e doloroso para mim mas hoje não consegui parar de pensar em ti, na pessoa que eras quando partiste e dor que me deixaste por ainda te amar tanto.
      Sinceramente já não sei o que sinto, se deixei que a erosão do tempo apagasse o sentimento ou se já não te amo apenas porque sim. Espero que seja a última opção. Espero ter-te esquecido para sempre, da mesma maneira como tu me dizias que me ias amar. Eternamente.
      O destino tirou-me de ti e eu não agradeço, não sou o tipo de pessoa que afirma que foi uma separação necessária para me encontrar pois eu já me tinha encontrado quando estava contigo, eu já era o eu mais eu possível, tinha olhos brilhantes, cara de apaixonada e um futuro sem medo pela frente. Como dizer que prefiro estar sem ti se sou mais feliz contigo? Sou feliz sozinha mas muito mais contigo. Sinto por ti o que em muitas relações falta. Tenho tudo para te dar quando tu nada queres receber. Repito para mim mesma "tu é que perdes" mas perdemos os dois. Quero que me deixes gostar de ti. Eu gosto de gostar de ti e hoje, vai ver ao calendário do telemóvel ou naquele que está perto do candeeiro na secretaria, já se passaram anos que não posso livremente mostrar-te isso. De que vale carregar este amor todo, esta paixão, este "quero estar contigo e com mais ninguém" se não posso estar contigo em manhãs quentes e frias e em noites geladas e ferventes? Pelo que me apercebi não vale de nada. Amar sozinha é um sentimento onde se tem um diabo que nos sussurra ao ouvido "nunca poderás transbordar isso" e tu sabes que sempre fui miúda que chegava perto de ti com amor que se notava à distância que já estava a mais no meu corpo, era por isso que sempre te puxava por um braço, te despia e só depois adormecia a teu lado.
      Tu gostavas de falar sobre as estrelas, eu gostava de falar sobre ti, nunca discutíamos e é por isso que hoje é um dia triste para mim. Hoje faz dois anos que te perdi e nunca supliquei para ficares nem tu nunca gritaste que ias, apenas almoçaste fora comigo, pediste-me o meu sabor preferido do sumo e disseste "temos quatro horas para darmos o nosso último beijo" e assim aconteceu. Beijei-te, tu viraste costas e eu continuo a amar-te para sempre. Dois anos. Já te amo há mais tempo sem te tocar do que naquele tempo que fomos bons juntos. Se as saudades te trouxessem de volta nunca terias ido. Vejo amigas minhas que só se sentem apaixonadas quando se sentem mal tratadas, sabes que sou senhora do meu nariz e que só permito que eu mesma me magoe e é por isso que mesmo magoada ainda permito que goste de ti e de nós que já acabámos há tanto tempo. Nunca me magoaste, até conseguiste despedir-te de mim sem deixares um arranhão. Dizem que a maneira como as pessoas nos deixam revela muito sobre elas. Não te podia amar... a tua despedida foi tão suave e tão doce. A tua despedida revelou que soube por quem me apaixonar. Tenho amigas minhas que acham que já não sinto nada, que é só mania. Quem me dera. Outras, dão-me uma festa na cara e tentam dizer calmamente "Ele já não é o que era. Gostas de uma pessoa que já não existe" mas o que quer que seja que és hoje, sei que estou perdidamente apaixonada. Uns chamam de tortura, eu chamo de amor porque até tenho prazer em chorar-te. Em amar-te. Em querer-te quando tenho a certeza que nem metade fazes por mim. Dois anos depois.

      -mm


       

      Aquilo que tínhamos já não se podia chamar de amor

      Vi-te a fechar a porta devagar, tentaste não fazer barulho para eu não me aperceber que o teu "chego às duas da manhã" tinha passado para as cinco sem aviso. Entras na cama e já nem me beijas ao de leve como no passado fazias. Acho que cada vez mais consigo perceber que os milímetros que nos separam na cama são um contraste dos kilometros que as nossas mentes sentem.
      Ontem tínhamos combinado almoçar como fazemos desde sempre todas as terças feiras, pedi o teu arroz tal e qual como gostas, talvez... quem sabe te voltes a apaixonar pelos pequenos momentos que te preenchem e depois disso eu consiga fazer o mesmo mas tu não vieste. Recebi uma mensagem que dizia "Querida desculpa mas hoje não dá, falamos ao jantar. Sabes que te amo." não meu amor, não sei se me amas e já nem acredito se alguma vez amaste. Como é que chegámos a este ponto? Somos o típico casal que eu criticava quando tinha dezasseis anos e passeava de mão dada com o meu primeiro amor. Era a miúda que prometeu ao pai que jamais iria partilhar a casa com um homem que me amasse aos pouco e olha bem onde estou. Tornei-me no meu próprio alvo de crítica.
      Não te sei abandonar e já nem é pelo amor que há em mim por ti pois ele já não existe mas já partilhamos tanto, já vivemos tanto e eu não posso simplesmente desistir assim. Acredito que vou fraquejar quando a vida me obrigar a começar um amor de novo, não sinto que estou preparada para tal. É muito mais fácil continuar uma história do que ir comprar um caderno e uma caneta e escrever tudo de novo. Talvez penses o mesmo e por isso é que vens adormecer ao meu lado ainda com o perfume dela na tua pele. Eu não te odeio porque já não te amo, a traição só custa para quem está de coração e eu já nem sinto o mesmo.
      O que estamos a fazer? Os dias passam e continuamos a pagar os vinte e três porcento de juros, a ir ao café com os nossos amigos todas as quartas e jantar as sextas para que semana sim, semana não, irmos a casa dos teus pais. Tornaste-te monótono e eu casei-me com alguém que trazia flores às seis da manhã numa manhã de verão e elas cheiravam tão bem, tinham cores lindas. Agora já não existem e também não as quero vindas de ti. Não eram tão doentias ou escuras como o futuro que agora se avizinha para nós dois. Já nem discutimos. Já não grito e tu também já não bates com a porta do quarto. Há quem diga que estamos melhor mas eu preferia quando partíamos a louça toda para assim voltarmos para os braços um do outro com lágrimas ao canto do olho quando tu sempre me dizias "Desculpa-me, nunca quis isto para nós".
      Sempre aceitei as tuas desculpas pois nunca pensei que te estavas a tornar num amor apagado, tu que nos meus olhos sempre brilhaste mais do que todos os outros. Acho que já nenhum de nós luta pelo que temos e então andamos arrastados pelo tempo, fazemos amor às quintas e aos sábados andamos de mão dada de manhã quando vais comprar o jornal e beber o teu café. Parecemos um bom casal, as minhas amigas sempre dizem que temos um relação fantástica, que nunca nos viram a discutir. Também nunca nos viram aos beijos ou com a tua mão na minha cintura. É triste, muito triste. Já não te beijo e te sussurro ao ouvido "Sou tão feliz contigo" porque não, não sou feliz e já nem sei se sou algo contigo... Já não sou aquela que um dia juraste amar para sempre. Nunca mais me amaste como nesse dia. Sou aquela que tanto como tu viu o amor a diminuir de dia para dia. Aquela que te escreve esta carta e te diz que já não valia a pena e por isso se foi embora. Espero que tu e ela sejam felizes juntos, ela pode ficar com o meu lado da cama pois ele também me faz muito feliz na cama que vamos partilhar sem lados planeados. Não me odeies por isto mas aquilo que tínhamos já não se podia chamar de amor e eu não aceito metade do que isso.

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      Novo amor que a vida te trouxe


      Já te disse muitas vezes para não seres para ela o que foste para mim e não estou a afirmar que quero que sejas pior agora do que foste comigo no passado, quero apenas que sejas diferente. Não se ama duas vezes de igual maneira e sei que não o vais fazer, o meu instinto de mulher suplica-te e o íntimo dela também pois tanto como eu, eu sei que ela não quer ser o mesmo e receber o mesmo que eu recebi e fui. Ama-a da forma como eu amo a minha vida agora, de uma forma apaixonada. Deita-te com ela com o coração sossegado como eu me deito agora na minha cama que tem lençóis que nunca sentiram o teu corpo. Beija-a da maneira que ela merece e de certeza que não é da mesma maneira que eu merecia, cabe somente a ti decidir quem merece e mereceu mais e não preciso de saber quem é que no teu pensamento é mais merecedor de ti pois agora sou só apenas alguém que já amaste muito.

      Não te julgo por teres começado uma vida sem mim, repara bem, eu fiz o mesmo. Não te crítico por seres diferente do que outrora foste pois também mudei. Sou uma página em branco que conheceste, sou um livro que ainda não leste mesmo que no passado tenhas analisado cada linha do meu ser. O passado pertenceu-nos e o presente pertence a cada um de nós e com quem partilhamos.
      Espero que sejas feliz, sempre esperei e sempre irei esperar. Havia a possibilidade de te odiar por te ter amado tanto, por me teres magoado tanto, por nos termos separado tanto mas escolhi ganhar carinho e lembrar-me de ti como um amor acolhedor e quente. Foi o que foste. Não sei como te lembras de mim, espero que bem, espero que te lembres das coisas boas e que as más o tempo tenha apagado.
      Desejo-te as melhores felicidades, a ti e a ela que tem a sorte de te fazer feliz. Eu já tive essa sorte um dia, acho que a aproveitei da melhor maneira por isso escrevo-te em paz e com um sorriso no coração. A vida é boa para quem é bom. E nós fomos bons juntos. Agora somos bons com outros mas não te esqueças que só somos a medida certa para novas pessoas porque o passado que partilhámos nos trouxe a este lugar.
      Nunca me vou esquecer de ti nem tu de mim ou dela, e nunca nos vais lembrar da mesma maneira pois eu sou eu e ela é ela. Maravilhosas cada uma na sua maneira. Espero que sejas merecedor deste novo amor que a vida te trouxe pois eu sei que vou ser daquele que a vida me trará.

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      Quem me dera


      Quem me dera ter tido a oportunidade de ser o primeiro a explorar o teu corpo, a dar-te tudo aquilo que desejas saciar com outras mãos, bocas e corpos na tua cama. És uma miúda segura de sim ao ponto que sei que todos aqueles que tocaram na tua pele andam a suplicar ao destino para terem igual mas não encontram. Depois de ti há uma busca insaciável de um sentimento igual aquele que dás mas quem já amaste nunca sentirá o mesmo e por isso tu sorris, sorris para o mundo por seres tu própria e por teres dado todo o amor que tinhas porque no final aqueles que não deram valor se arrependem e tu continuas no teu caminho sem olhar para trás pois deste o máximo de ti.

      Quem me dera que nunca tivesses dado a oportunidade a alguém para te amar e que algumas dessas tivessem sido mútuas. Nem eu te mereço, quanto mais os outros que a vida te fez perder ou que eles perderam-se de ti por mera estupidez. A estupidez deles foi a minha sorte, ter-te ao meu lado é uma sorte. Ser amado por ti é uma sorte. Nunca desististe de um amor, não és miúda para tal. Sei que quando sentes, não perdes a vontade de ter alguém aos teus braços até eles irem embora. Sei que já foram alguns embora, que o teu coração já foi estupidamente partido diversas vezes e que choraste por cada desgraçado que te deixou a cama vazia em noites de inverno. Hoje eles choram por terem ido e tu sorris-me como se o teu coração tivesse intacto como quando tinhas catorze anos, sou um privilegiado.
      Antes de ti houve corpos sem nome, mãos sem toque e orgasmos sem amor... antes de ti não houve nada por assim dizer. Estava programado encontrar uma miúda segura de sim, que sei que se o meu timbre de voz aumenta um bocado bate as portas e segue em frente sem olhar para trás mesmo que derreta de amores por mim. Descobri contigo que nunca estive apaixonado e quantos vezes eu pensei tal coisa... Quem me dera ter sido o teu primeiro amo-te, ter sido o primeiro corpo nu que viste. Quem o foi deve andar perdido nas ruas da amargura. Eu estaria. Perder-te era perder-me.
      Posso não ter sido o teu primeiro amor, o teu primeiro beijo ou o primeiro na cama. Posso não ter sido o primeiro em nada. Mas peço-te que me deixes ser o que quero ser, aquele que vai mostrar-te o porquê de não ter dado certo com outros.

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      Fui amada para sempre


      Sempre te disse para não me dizeres que me amavas para sempre. Nunca foste homem para isso. Aliás, nunca gostei de um homem que me amasse para sempre por mais que desejasse um amor para a vida. Mas pensando bem ambos não existem. Não me perguntes porquê mas complico o amor quando ele já é complicado e não peço desculpa pois se não gostas da minha forma de amar bate o pé e a porta e vai. Vai e não te despeças.

      Dizem que a medida do amor é amar sem medida, eu acrescento e afirmo que o amor é saboroso por ser efêmero. De que valia lutar por algo que sabemos não ter fim? De que vale beijar alguém mais uma vez e não saber que é menos um beijo para todos aqueles que vão ter? Que uma noite de sexo é mais uma na contagem mas menos uma para se chegar ao final dessas noites de entrega? O amor é uma contagem decrescente infinita onde todos os apaixonados desejam que o relógio pare no tempo. Nunca pára. Não há amores para sempre mesmo que se tenha amado para sempre. Todos nós acreditamos em juras de amor eterno mesmo que se saiba que todo o amor morre um dia. Por isso é que amar perdidamente é estúpido. Sempre te pedi para nunca me dizeres que íamos durar uma vida se eu sei que a tua pele é insaciável e que um dia irias querer ir embora na procura de outro toque que não o meu. Fui amada para sempre mesmo que hoje já não me ames mais.

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      O meu pai



      O meu pai diz que pareço mais velha quando escrevo, que o meu rosto de criança ainda se nota mas que no papel está uma adulta que admira. Diz-me que ainda preciso de um beijo na testa antes de dormir por mais que eu saiba onde se coloquem os pontos finais em prosas pois na vida, a gramática é mais complicada e as vírgulas parecem sempre melhor do que qualquer finalização.
      O meu pai sempre me encorajou a ser alguém para ter alguém e não ter alguém para ser alguém. Agarrava nas minhas mãos e dizia-me que o amor talvez me fizesse ganhar alguns cales, mais do que as canetas nos meus dedos, sorria-me e dizia que não era por isso que devia deixar de amar ou de escrever e eu nunca deixei mesmo que tenha tido muitos rascunhos nesta vida e amores de curta duração. É preciso errar para aprender e para ser melhor. O cronômetro da minha existência vai me mostrando isso.
      O meu pai sempre me contou que na vida há vários tipos de amores e que o mais importante é o amor próprio, contou-me nas horas vagas que para além de saber reconhecer quando sou amada tenho de saber quando não o sou. É preciso aprender como se deve começar um amor e como desistir também e mesmo que nenhum ser humano seja perfeito nisso, o tempo faz-nos melhorar. É bom dizer adeus com um sorriso na cara mas também há momentos que se diz com uma lágrima no canto do olho mas tem de se saber encerrar capítulos, textos ou livros.
      O meu pai sempre me disse que já tinha amado na vida e que por mais dores que tenha oferecido e ganho, que valeram a pena todas as vezes.
      Hoje sorrio ao espelho e compreendo. Talvez o prazer do amor está também na dor que o mesmo oferece mas nunca deve ser maior que a felicidade obtida.
      O meu pai sempre me disse que errar com as pessoas que se ama é um acto de amor pois só se sabe que se erra com alguém quando o mal que fazemos a outra pessoa nos toca de alguma forma e que por isso é que causar dor a um desconhecido não traz sentimento nenhum. Errar faz-nos pessoas melhores e saber que errámos faz com que sejamos de certa forma umas pessoas decentes mesmo que no amor não haja uma decência requerida.
      O meu pai diz que o amor de uma vida traz-nos o amor de uma eternidade, os filhos. Diz que quem se ama de alguma forma se ama para sempre. Tenho medo disso mas nunca lhe disse. Amar para sempre não é desejo meu mas sim recordar com amor para a eternidade.
      O meu pai sempre me disse que não sabe amar e que o romântico que era morreu talvez numa página de jornal vaga em dois mil e dois. Eu tinha nascido uns anos antes e faltava-me um ano para começar a escrever, talvez partes dele estejam espalhas em acentos circunflexos nos meus textos ou até num parágrafo metido antes do tempo de propósito. Não vejo um homem que saiba amar perdidamente outros genes senão aqueles que transmite mas sim um homem que me ensinou como errar no amor por mais certo que ele pareça pois não há histórias perfeitas, corpos eternamente puros ou vidas limpas de desilusões e há sempre um dia que um amor vai morrer. E o meu pai sempre me disse que não devemos morrer com ele.

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