sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O meu pai



O meu pai diz que pareço mais velha quando escrevo, que o meu rosto de criança ainda se nota mas que no papel está uma adulta que admira. Diz-me que ainda preciso de um beijo na testa antes de dormir por mais que eu saiba onde se coloquem os pontos finais em prosas pois na vida, a gramática é mais complicada e as vírgulas parecem sempre melhor do que qualquer finalização.
O meu pai sempre me encorajou a ser alguém para ter alguém e não ter alguém para ser alguém. Agarrava nas minhas mãos e dizia-me que o amor talvez me fizesse ganhar alguns cales, mais do que as canetas nos meus dedos, sorria-me e dizia que não era por isso que devia deixar de amar ou de escrever e eu nunca deixei mesmo que tenha tido muitos rascunhos nesta vida e amores de curta duração. É preciso errar para aprender e para ser melhor. O cronômetro da minha existência vai me mostrando isso.
O meu pai sempre me contou que na vida há vários tipos de amores e que o mais importante é o amor próprio, contou-me nas horas vagas que para além de saber reconhecer quando sou amada tenho de saber quando não o sou. É preciso aprender como se deve começar um amor e como desistir também e mesmo que nenhum ser humano seja perfeito nisso, o tempo faz-nos melhorar. É bom dizer adeus com um sorriso na cara mas também há momentos que se diz com uma lágrima no canto do olho mas tem de se saber encerrar capítulos, textos ou livros.
O meu pai sempre me disse que já tinha amado na vida e que por mais dores que tenha oferecido e ganho, que valeram a pena todas as vezes.
Hoje sorrio ao espelho e compreendo. Talvez o prazer do amor está também na dor que o mesmo oferece mas nunca deve ser maior que a felicidade obtida.
O meu pai sempre me disse que errar com as pessoas que se ama é um acto de amor pois só se sabe que se erra com alguém quando o mal que fazemos a outra pessoa nos toca de alguma forma e que por isso é que causar dor a um desconhecido não traz sentimento nenhum. Errar faz-nos pessoas melhores e saber que errámos faz com que sejamos de certa forma umas pessoas decentes mesmo que no amor não haja uma decência requerida.
O meu pai diz que o amor de uma vida traz-nos o amor de uma eternidade, os filhos. Diz que quem se ama de alguma forma se ama para sempre. Tenho medo disso mas nunca lhe disse. Amar para sempre não é desejo meu mas sim recordar com amor para a eternidade.
O meu pai sempre me disse que não sabe amar e que o romântico que era morreu talvez numa página de jornal vaga em dois mil e dois. Eu tinha nascido uns anos antes e faltava-me um ano para começar a escrever, talvez partes dele estejam espalhas em acentos circunflexos nos meus textos ou até num parágrafo metido antes do tempo de propósito. Não vejo um homem que saiba amar perdidamente outros genes senão aqueles que transmite mas sim um homem que me ensinou como errar no amor por mais certo que ele pareça pois não há histórias perfeitas, corpos eternamente puros ou vidas limpas de desilusões e há sempre um dia que um amor vai morrer. E o meu pai sempre me disse que não devemos morrer com ele.

-mm




 

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