Sempre me apaixonei por homens que não gostam de ler. Patetice minha. Achei romântico amar o oposto de mim, eu que gosto tanto de ler, eu que acredito que os meus pais me fizeram no meio de uma biblioteca e que depois disso leram Florbela Espanca como uma maneira romântica prolongarem a paixão, eu que escrevo para limpar a alma e o coração. Nunca vivi um amor nas páginas de livros mas já perdi a conta de quantos já foram vividos em salas de cinema, motas com os pneus gastos ou em piscinas de hotéis sossegados.
Bloqueei a entrada de homens bonitos, trabalhadores e fiéis mas que lessem poesia ou prosa, romances ou policiais, não deixei passar. Seria um amor demasiado fácil, não haveria discussões que terminassem na cama e que boas elas são, não haveria discussões que acabassem em gritos, portas batidas, malas feitas e um "nunca mais de quero ver" e que românticas que elas são. Gosto de ter a dificuldade de gostar para ainda gostar mais, gosto de mostrar ao mundo que continuo a lutar pelo que quero mesmo que todos os sinais sejam para eu desistir. Gosto da dificuldade de amar e quem lê nunca me daria isso. Disse-te que não, obviamente. Tiveste a lata de tocar à companhia com um livro na mão, "A Fada Oriana", se me querias impressionar pela leitura estavas a ir por um mal caminho pois não vivo amores que lêem e porque, não sei se sabias, todos nós já lemos Sophia de Mello Breyner nem que seja por obrigação da escola. Se fosses um dos que leu por obrigação ainda te abria a porta e daria-te a oportunidade de me dizeres o teu nome.
Os dias passaram e nunca mais me bateste à porta, irritou-me aperceber que aceitaste um não sem dares luta. Pensei em ti noites sem fim, noites a fio, em noites quentes, inocentes quase que pensei que iria-te imaginar eternamente. Irritava-me o modo como me apareceste e como mesmo assim não sabia parar de pensar em ti. Sophia de Mello Breyner? Por quem me tomas? Sou menina mas não miúda. A verdade é que se tivesses trazido obras de Miguel Esteves Cardoso talvez nem me lembrasse de ti.
Fiz o melhor que pude para salvaguardar o que sabia que era a minha última gota de sanidade mental, se já me doía ter amado quem nunca leu um excerto não queria aguentar ou provar a dor que era amar alguém que me mostrasse estrofes. Não te podia dizer que sim. Nunca te quis dizer que sim mas cada dia que passava o meu romantismo chamava por mim e eu que pensava que só os homens que gostam de futebol, jogos de computador, motas e carros me conseguissem prender o pensamento neles. Tenho medo que me dês amor certo porque sou daquele género de mulher que necessita de ter duvidas para ter certezas, não sei entendes.
É raro encontrares uma mulher que leia Mafalda Ivo Cruz e eu sou uma delas, quase tão perigosa quanto aquelas que lêem Pedro Chagas Freitas. Diz-me que tens medo de me amares que talvez, quem sabe, abrir-te-ei a porta com um beijo na boca e uma mão aberta e depois sussurro ao teu ouvido "bem vindo à minha vida". Se entras nunca mais saía dela ou marco-te para sempre, pergunta a quem já me amou antes se queres certezas.
Nunca me apaixonei por homens que gostam de ler, até te conhecer.
Bem vindo.
-mm
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